Alexandre Cardia Machado
Membro do Conselho Fiscal da CEPA. Presidente do ICKS – Instituto Cultural Kardecista de Santos.
No final da década de 70 do século passado começou a surgir no Movimento Espírita, com alguma força, um sopro de mudanças. Algo que nos aproximou de um Espiritismo mais global, desvinculado da FEB (Federação Espírita Brasileira). Este sopro se transforma na década seguinte em ventania.
Muitos centros espíritas brasileiros se aproximaram da CEPA. Eram tempos de abertura política no Brasil e também de queda da União Soviética, ares de liberdade no ar aqui no Brasil e no mundo.
Depois de duas décadas de diversos articulistas escreverem sobre o foco central do Espiritismo ser ou não ser uma religião, fica claro que as diferenças entre as visões divergentes entre o grupo religioso e o laico pesavam muito mais do que as semelhanças, ocasionando inevitavelmente o rompimento entre as partes.
No Brasil, a grande maioria dos espíritas se identifica com o Espiritismo Religioso, seguindo as orientações da FEB e outras lideranças cristãs, pois para um país majoritariamente cristão esta mudança para o Espiritismo cristão se dá de forma muito suave. O Espiritismo religioso leva ao extremo a importância de Jesus, considerado o Governador do Planeta Terra. Este grupo está bem acomodado, nesta posição.
Mas Kardec estabeleceu, há 166 anos que o Espiritismo era progressivo, todos concordam, sejam eles religiosos ou não, mas poucos aplicam esta ideia na prática.
O nosso grupo, laico, sim, partiu para isto em todo o Brasil. Surgem grupos que estudam criticamente o Espiritismo, comparando, o tempo todo, nossa doutrina com o progresso do conhecimento, na forma como proposta por Allan Kardec.
Este grupo laico, que vou chamar aqui de Espíritas Progressivos, pois não apenas progressistas fazem parte dele, existem pessoas com diversas orientações ideológicas. É um grupo formado por pessoas que veem a necessidade de atualizar o pensamento espírita, para fazer com que o Espiritismo possa contribuir para a sociedade do século XXI e que consiga sobreviver a este século chegando no século XXII respirando.
Não queremos um movimento religioso, mas sim um movimento capaz de comunicar uma visão transcendente, conectada com a sociedade, à humanidade, capaz de fazer as pessoas pensar na possibilidade da imortalidade dinâmica.
Somos todos espíritos encarnados e em evolução, devemos beber e comer da árvore do conhecimento.
Em 1987, no primeiro ano do Jornal Abertura, de Santos-SP, Brasil, na sua edição de julho, Jaci Régis pergunta, em matéria de capa do jornal: O Espiritismo é progressivo?
Jaci, lá pelas tantas assim se refere: "Todos querem mudar. Juram que aceitam que a Doutrina não pode cristalizar-se. Interessante, pois, saber como o movimento espírita brasileiro reage e concretiza o sonho e a necessidade do progresso do pensamento espírita" . Está claro que não há qualquer forma organizada de atualização no Espiritismo Religioso.
Jaci Régis fez a sua parte, nos deixou os seus livros, fez inúmeras palestras, fundou um jornal, criou o Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita, abriu uma vereda. Não foi o único, pois assim como ele, outros tantos, no Brasil e mundo afora, seguem caminhos parecidos. Hoje somos nós, a nossa geração, que levamos este projeto adiante.
Nosso Momento
A revolução das comunicações, a partir da internet, e mais fortemente, nos últimos dez anos, nos fez ter peso, presença sentida e incômoda, aos Espíritas Religiosos que de certa forma, começam a reagir e a nos atacar novamente.
Neste momento estamos muito mais presentes através de canais no Youtube, sites, blogs, eventos pelo Brasil e mundo afora e palestras online. Isto nos aproxima do espírita que não é extremamente ligado a um centro espírita.
Diversas iniciativas de disponibilizar livros com nossas ideias de maneira gratuita de igual maneira aumentam nossa penetração, pois estas pessoas têm livre acesso a livros que de outra maneira estariam no index proibido pela FEB.
Não é fácil, vivemos um momento de indignação, todos estão indignados com alguma coisa, nossa sociedade sofre de um processo de indignação seletiva. Só aceitamos o que nos é espelho. Assim os Espíritas Religiosos se indignam do que fazemos e de certa forma, vice-versa. Não criamos pontes, o fato de termos espaço para expormos nossas ideias, de alguma forma tendem a transformá-las em ideias radicais. Não acredito que sair muito do caminho do meio seja uma estratégia espírita ética desejável.
Por isto a disponibilidade destas obras grátis, podem funcionar como um caminho para que novas ideias penetrem outros espaços. O tempo dirá.
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José Arroyo
Vice-presidente Regional da CEPA para América Central e Caribe
Para muitos de nós haverá de soar familiar a frase “arruma teu quarto”. Seja porque a recordamos de nossa infância ou porque a tenhamos utilizado nos anos de infância e adolescência de outros. Parte da premissa de que há desordem no aposento, cria-se a expectativa de que haja ordem, sugerindo-se à pessoa encarregada daquele espaço que compreenda o que se espera. Possivelmente tenha sido voltar a ver o fruto de se ter “arrumado o quarto” e encontrar coisas amontoadas em outro lugar, empilhadas em uma esquina ou simplesmente empilhadas com igual desarrumação de um ponto do quarto para outro.
Essa cena quotidiana para muitos pode-nos servir de grande ensinamento sobre a vida própria e a vida em sociedade, assim como de porquê, às vezes, repetir “amar o próximo como a si mesmo” não é suficiente para alguns.
A pessoa que gerou a desordem sente-se dona desse espaço. Arruma-o e o desarruma a seu gosto. Possivelmente o que outros veem como desordem seja uma maneira distinta de deixar acessíveis suas coisas. O que é ordem para uns é visto como desordem por outros. A expectativa do outro com relação ao que implica em ordem esperada é fonte de frustração e exasperação para alguns adultos. O que eu esperava não coincidiu com o resultado obtido. Entretanto, a partir da outra perspectiva, daquela de quem recebeu a ordem de arrumar, o que parecia prático e factível, foi efetivamente relocalizado para não mais estorvar. Cumpriu-se da melhor forma compreendida. Se analisarmos essa cena à distância e objetivamente, buscando explorar ambas as perspectivas, os dois estariam corretos, sem intenção danosa, malevolências ou desejos de incomodar em qualquer das ações, a de exigir ordem e a de ordenar de alguma maneira.
Se a comunicação fosse efetiva e assertiva, tudo ficaria claro e se evitariam os mal-entendidos, as interpretações parciais.
Muitos indivíduos passam a vida pensando que dizer e repetir palavras ou frases nobres são traduzidos de igual maneira para todos e são interpretadas de maneira universal.
Não é assim.
O contexto, a intenção e a clara indicação do que se espera e significa podem ajudar a comunicar mensagens que efetivamente sejam claramente compreendidas. Pensar que toda a pessoa que abraça uma crença, uma fé ou uma espiritualidade de forma particular entende tudo de maneira clara, cria uma falsa expectativa. Vemos isso diariamente.
Todos os indivíduos que se movem num contexto cultural de influência judaico-cristã estão familiarizados com a frase “amar o próximo como a si mesmo”. Contudo, ela se presta a múltiplas interpretações.
Um grupo de indivíduos pensa que a mulher não deve ocupar o mesmo espaço que o homem em sua congregação. Esta não pode pregar no interior do salão de culto, mas somente fora dele. Aceitam que o homem é a cabeça da família e a mulher lhe deve obediência. Não apenas assim veem os homens dessa fé, mas também as mulheres do mesmo culto o admitem. Enfim, eles estão “amando o próximo como a si mesmo”, porque não estão agredindo amedrontando ou menosprezando a mulher, segundo sua perspectiva, mas lhe oferecendo uma perspectiva distinta e protegendo-a para que se dedique a outras tarefas. Essas pessoas estão cumprindo com o amar ao próximo como si mesmos, de maneira literal a partir de sua visão, não, contudo, de forma equitativa e ampla.
Um outro exemplo: os seguidores de certa seita entendem que o mundo inteiro devia ser convertido a suas ideias. Criaram missões mundiais e saíram a convencer a todos. Enviam seus jovens a países distantes de seus lares para que ajudem as pessoas que possam, acompanhe os anciões solitários em seus lares e estudem junto a eles seus livros sagrados, com o fim posterior de lhes convencer de que seu caminho é correto.
Por outro lado, os indivíduos que tivessem uma cor de pele que não fosse clara, branquela, pura, seriam os herdeiros de uma maldição divina e não poderiam aspirar posições, lugares ou voz e voto na administração de determinada igreja. Claramente, tudo isso mudou quando, subitamente, suas correntes de seguidores passaram a ser majoritariamente de tez escura, e uma “revelação divina” lhes indicou que era preciso reinterpretar o texto sagrado e sua doutrina. Todas essas pessoas estavam amando o próximo, mas agiam com preconceito, segregação e discriminação.
Assim como esses dois exemplos da vida real, poderíamos citar muitos outros que conhecemos nesse amplo e escabroso campo da fé e da crença. Amar o próximo como a si mesmo não é um comando acompanhado de claras instruções, porque está sujeito à interpretação, à justificação e à conveniência de quem lidera e daqueles que cegamente seguem. Se ao falarmos em amar o próximo não incluímos conceitos como equidade, igualdade, inclusão, respeito, desinteresse, justiça, educação, liberdade, pluralismo, alteridade, oportunidade, homo afetividade, desenvolvimento e responsabilidade, não estamos falando o mesmo idioma.
Em uma realidade na qual as palavras predominam sobre o pensamento que as gera; em uma encarnação na qual as palavras podem ser habilmente manejadas para levar a um significado diferente; em uma etapa transitória em que as palavras possam ser acomodadas às nossas conveniências, é inegável a necessidade de explicar, ampliar, abundar e ser concisos naquilo que se pretende comunicar. “...As crenças reprováveis são aquelas que arrastam ao mal”, indica-nos a questão 838 de O Livro dos Espíritos. Se levar as pessoas a incorporar atitudes machistas, excludentes, racistas, classistas, xenofóbicas, homo fóbicas e discriminatórias, não é arrastar ao mal, então não teremos compreendido nada do que seja a mensagem espírita.
Por isso, amar o próximo como a si mesmo será suficiente apenas quando tenhamos como perspectiva tudo o que isso implica para o bem absoluto de outros, assim como para si próprio.
JON AIZPÚRUA
Ex-presidente da CEPA (1993/2000) e atual Assessor de Relações Internacionais
Trinta e três perguntas dirigidas à consciência dos espíritas:
Quantos espíritas são fiéis a umas ideias em vez de ser docilmente leais a umas siglas?
Quantos espíritas admiram alguém que não pense como eles?
Quantos espíritas se permitem ter dúvidas sobre algumas de suas crenças, sustentadas nos ensinamentos de autores encarnados ou desencarnados?
Quantos espíritas se atrevem a questionar ideias expostas por seus autores fundamentais?
Quantos espíritas assumem que no Espiritismo não se trata de crer mas de saber?
Quantos espíritas sucumbem à adoração reverente dos médiuns e dos espíritos?
Quantos espíritas examinam com senso crítico as comunicações mediúnicas?
Quantos espíritas adotam em sua vida a prática quotidiana da leitura e do estudo de textos espíritas e de outras orientações filosóficas?
Quantos espíritas são capazes de superar as interpretações literais?
Quantos espíritas estão dispostos a mudar algumas de suas opiniões?
Quantos espíritas leem ou escutam outros espíritas que pensam diferente?
Quantos espíritas antepõem os ideais e a ambição pelos cargos nas instituições espíritas?
Quantos espíritas exigem mais de si mesmos do que dos demais?
Quantos espíritas acorrem a um debate sem haver decidido previamente quem é seu favorito?
Quantos espíritas estão dispostos a aprender com aqueles que expressam ideias divergentes das suas?
Quantos espíritas compreendem que o amor, entendido e praticado, é o fundamento da vida e da evolução?
Quantos espíritas permitiram-se amar alguém com uma ideologia diferente?
Quantos espíritas consideram que não são necessariamente melhores que seu vizinho?
Quantos espíritas sabem perdoar?
Quantos espíritas preocupam-se com as questões sociais e entendem a necessidade de analisá-las e de se pronunciar sobre elas?
Quantos espíritas tomam consciência das injustiças sociais, a fome e a miséria que maltrata milhões de seres humanos e não buscam justificá-las como “dívidas” e “expiações” de vidas anteriores?
Quantos espíritas oferecem o concurso de sua participação ativa para corrigir os males que afetam a humanidade e atrasam seu processo evolutivo?
Quantos espíritas estão completamente à margem de teorias ou práticas discriminatórias, homofóbicas, racistas e xenofóbicas?
Quantos espíritas denunciam o horror e o sofrimento provocado por regimes teocráticos, fundamentalistas e fanáticos?
Quantos espíritas creem realmente na igualdade entre todos os seres humanos?
Quantos espíritas assumem a vigência da liberdade individual, social e política, como requisito indispensável para o progresso material e espiritual?
Quantos espíritas respaldam a liberdade e a democracia para todas as nações, sustentadas no pluralismo político, separação de poderes, liberdade de expressão e de reunião, e eleições limpas para a escolha dos governantes?
Quantos espíritas denunciam os regimes tirânicos ou autoritários, com independência do viés ideolótico ou político que os identifica?
Quantos espíritas estão dispostos a censurar a corrupção, no âmbito público ou privado, sem matizes, atenuantes nem exceção?
Quantos espíritas estão dispostos a defender o império das leis no quadro do estado de direito, ainda quando podem se ver afetados seus interesses particulares?
Quantos espíritas promovem a paz no mundo sobre a base da coexistência respeitosa entre as nações e rechaçam as guerras e o uso da força das armas para conquistar territórios?
Quantos espíritas compreendem que não há um “além” feliz para os desencarnados se não se constrói um “aqui” justo, equilibrado, harmônico e fraterno?
A quantos espíritas, finalmente, importa o espiritismo?
A CEPA, como entidade kardecista, laica, livre-pensadora, humanista, pluralista, progressiva e progressista, constitui um espaço aberto no qual se sintam cômodos todos os espíritas que se impressionem e reflitam diante de perguntas como estas e decidam, como sugeria Kardec, atrever-se a pensar, a privilegiar a razão e antepor os valores éticos como guias de suas convicções. Isso é indispensável para a consolidação de um movimento espírita que possa contemplar sem complexos o século XXI e enfrentar com êxito seus enormes desafios.
Dante López
Ex-presidente da CEPA (2008/2016)
Semelhanças e Diferenças
Há algum tempo, Yolanda Clavijo, Presidente de CIMA Venezuela, sugeriu-me um tema específico para o ciclo que organizam com muita dedicação há vários anos via Zoom: “Constelações Familiares”;
Como conheço o tema, sem ser especialista, convoquei uma amiga, a Licenciada em Psicologia Alejandrina Cianflone, para nos apresentarmos nesse espaço com uma espécie de conversação informal contrastando: “Semelhanças e diferenças entre a Sessão Mediúnica e as Constelações Familiares”.
Alejandrina, que já tem muitos anos como Terapeuta Gestáltica e como Consteladora ajudou-nos a entender quais são os fundamentos dessa Ferramenta Terapêutica que teve sua origem em um Psicoterapeuta alemão, Bert Hellinger.
Em seu livro “As Ordens do Amor”, Hellinger explica sua teoria, baseada na existência de uma memória familiar coletiva, na qual postula que as relações familiares interpessoais se fundam no amor como base e aspiração do ser humano, mas também diz que “Sem Ordem não há amor”.
Como todas as teorias, esta tem seus seguidores e seus detratores, de formas que nos pusemos a desvendar o fio que tece a meada das relações familiares à luz dessa Teoria Filosófica, como gosta de chama-la seu fundador.
A comparação com a Sessão Mediúnica faz-se necessária porque, em primeira medida, somos espíritas laicos, progressistas e livres-pensadores e, portanto, estamos em uma busca constante de atualização de métodos e contribuições que possam ajudar a entender o sentido da vida e as infinitas variáveis que conduzem à espiritualidade.
As “Constelações” são espiritualistas em essência, já que, como dissemos, parte da existência de uma “alma” ou “consciência familiar” que incide na existência de um ou vários membros de cada grupo familiar, geração a geração.
A Doutrina Espírita propõe, por sua vez, que os espíritos encarnam em grupos e que, existência a existência, vão criando laços de amor e também conflitos, sem resolvê-los, que vão criando uma urdidura de relações espirituais intergeracionais, podendo alcançar várias gerações.
Assim, a raiz é similar, ou seja, estamos falando em ambos os casos que há uma inteligência espiritual que antecede e sobrevive ao corpo físico e se manifesta de diferentes maneiras e por métodos diversos.
Em uma sessão mediúnica, um espírito familiar pode nos fazer saber de suas angústias não resolvidas, assim como um espírito encarnado pode manifestar a necessidade de cumprir algum mandato que não compreende.
Em ambos casos supostos, tanto uma sessão mediúnica, como uma Constelação, realizada por pessoas idôneas em um ambiente saudável, podem vir informações pertinentes que colaborem com a resolução de conflitos intergeracionais.
Não é minha intenção desenvolver aqui toda a teoria, mas apenas gerar inquietação ao leitor que investigue o tema e o veja como outro caminho alternativo na busca da espiritualidade.
Para quem se interesse em conhecer mais, acessar https://youtu.be/7SutjHkOMus
Nesta primeira parte do Século XXI, os espíritas nos sentimos de parabéns. Já não se referem a nós como uns lunáticos em busca de utopias transcendentes. Qualquer pessoa que se tenha por bem informada e com algum nível de cultura trabalha hoje conceitos como Reencarnação e Vidas Sucessivas com total naturalidade. A Biologia, a Física, a Psicologia Transpessoal e muitas outras disciplinas vêm corroborando os postulados espíritas em uma velocidade incrível.
Falta a nós, espíritas, uma forma consistente de trabalhar a consecução de métodos seguros e confiáveis para que a Sessão Mediúnica Kardeciana, um verdadeiro achado de Kardec, que conseguiu dar à Mediunidade controle e contenção, siga sendo a Ferramenta Espírita por excelência.
Milton Medran Moreira
Assessor de Relações Internacionais da CEPA
O equilíbrio entre as leis de conservação e de progresso
Milton R. Medran Moreira
Assessor de Relações Internacionales da CEPA
O homem e as instituições, embora tendam ao progresso, demoram-se na superação dos estágios a que chegaram.
Da mesma sorte que há uma lei de progresso, perdura uma de conservação. Ambas desempenham papéis de importância. Se aquela impulsiona o homem para frente, esta consolida suas conquistas. Se aquela escreve a fascinante aventura do homem sobre a Terra, esta fortalece os valores amealhados. Se aquela assume riscos, esta recomenda prudência.
Mas é inevitável, na história de cada indivíduo e de cada uma de suas instituições, o momento do choque das duas tendências.
Inevitável também é a crise decorrente do choque. Sem ela as mudanças não se operam.
Um movimento de ideias das dimensões do espiritismo não está infenso ao entrechoque de pensamentos, nem à crise e, tampouco, às mudanças.
É certo que na base do pensamento espírita estão sólidos princípios que balizam e identificam sua filosofia. Mas princípios, embora basilares, não podem dar lugar à estagnação do processo de ampliação do próprio entendimento e aplicabilidade daqueles postulados.
Imortalidade do espírito, comunicabilidade, evolução pelas vidas sucessivas são princípios gerais, de caráter permanente, gravados em nossas consciências e aos quais chegamos pela via da racionalidade. Sua compreensão, todavia, e a respectiva aplicação à vida tanto podem servir à cristalização de ideias e procedimentos quanto ao progresso e atualização constantes.
Em tempos recuados, esses mesmos princípios se constituíam em conceitos privilegiadamente compartilhados por uns poucos iniciados que os guardavam a sete chaves. Sua vulgarização é obra das religiões que, no entanto, arbitrariamente, deles se apropriaram, cercando-os pelo mistério da sacralidade e da sobrenaturalidade.
A proposta espírita é de inserir Deus, a imortalidade e a ideia da vida futura no mesmo conceito da naturalidade e da vida. Só assim esses princípios se dinamizam e operam o efeito objetivado pelo espiritismo: a melhoria do homem e do mundo.
Apesar da clareza dessa proposta, o movimento que institucionalizou o espiritismo fê-lo fascinado por uma visão religiosa de seus princípios.
Visto religiosamente o espiritismo dissocia-se da vida, que não é religiosa, mas natural.
Visto como lei natural, ele ilumina a vida em todas as suas manifestações, fazendo-se dinâmico como ela própria.
É claro que essa visão natural de dogmas há séculos aprisionados pelas religiões como bens de sua exclusiva propriedade e administração gera crise. A crise da mudança. Até porque também se dogmatizou a ideia de que o bem e a virtude são valores religiosos, quando, na verdade, são conquistas decorrentes da própria compreensão da vida, no seu dinamismo e integralidade.
Ao cristalizar a visão religiosa do espiritismo, o movimento deu lugar ao desequilíbrio entre a lei da conservação e a do progresso .
A reação que a isso fizeram, em toda a caminhada do espiritismo, alguns de seus segmentos, dentre os quais, e vigorosamente, a CEPA, sempre deram lugar a crises. Como de regra, essas crises produziram e seguem produzindo mudanças.
Vivemos, no movimento espírita contemporâneo, um típico momento de mudanças. A CEPA – Associação Espírita Internacional, inserida que está nesse processo dialético, sente-se imensamente gratificada por presenciar e vivenciar esse momento. Ele indica o atingimento de uma síntese, ou, utilizando-nos da terminologia kardeciana, aponta para a conciliação entre a lei de conservação e a lei do progresso.