Jacira Jacinto da Silva

Advogada, Presidente da CEPA – Associação Espírita Internacional

Ser criança, é ter liberdade para viver a infância com qualidade. Ser criança, é ter direito à moradia adequada, à alimentação saudável e a uma boa educação. Ser criança, é poder ser amado, protegido e feliz. Simples assim.

Isa Colli.

Foi em 20 de novembro de 1989 que a Assembleia Geral das Nações Unidas – ONU adotou a

Poder-se-ia questionar o motivo de tantas e novas leis; afinal, já existe a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cada país tem a sua Constituição Federal, ou o seu Estatuto legislativo maior, contemplando os direitos vigentes para aquele povo, naquele tempo. Mas esses comandos legais gerais, em regra, não atingem seus objetivos e a população termina por contorná-los, de forma que apesar de serem importantes e aplicáveis, são ignorados. Claro que cada país tem as suas peculiaridades e, inclusive, há níveis muito diferentes de tolerância à desobediência.

Disso resultam legislações específicas, tratando de um único tema, como a proteção da criança, o crime de racismo, a proteção ambiental, os direitos do idoso, a proteção de dados pessoais etc. Em síntese, essas legislações especiais não seriam necessárias se as pessoas atentassem à obrigação de cumprir os comandos gerais.

Fato é que 196 países ratificaram a Convenção dos Direitos da Criança, adotada pela ONU há 31 anos.

Conquanto saibamos das limitações existentes na legislação humana, seus defeitos, seus vieses, suas motivações – muitas vezes particulares e indignas, ainda podemos dizer que sem ela estaríamos em condições piores. É a legislação humana que garante, minimamente, a convivência social.

A renovação das leis também faz sentido se pensarmos que, na resposta à questão 763 de

No mesmo sentido, a resposta à questão 616: “

E mais não precisaria para nos convencermos de que as leis humanas são transitórias, divergentes, impotentes para solucionar os conflitos humanos, embora apropriadas à cultura de cada povo.

Vale destacar ainda o enunciado contido na Q. 521:

[os grifos são meus] (P

A tendência mundial de proteger as crianças e os adolescentes, garantindo-lhes formação digna, educação, moradia, estudo, saúde, cultura, lazer e todos os cuidados necessários à sua boa formação, estão perfeitamente conformes com a lição espírita encontrada no capítulo de

A infância ainda tem outra utilidade. Os Espíritos só entram na vida corporal para se aperfeiçoarem, para se melhorarem. A delicadeza da idade infantil os torna brandos, acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devam fazê-los progredir. Nessa fase é que se lhes pode reformar os caracteres e reprimir os maus pendores. Tal o dever que Deus impôs aos pais, missão sagrada de que terão de dar contas. Assim, portanto, a infância é não só útil, necessária, indispensável, mas também consequência natural das leis que Deus estabeleceu e que regem o Universo.” 1

Não obstante, há quem considere o Estatuto dos direitos da criança e do adolescente um equívoco, atribuindo-lhe excessiva proteção e muitos direitos sem o correspondente rol de obrigações.

No Brasil, para os leitores terem noção da importância de regulamentar direitos às chamadas minorias (essa denominação destina-se apenas a classificar as pessoas excluídas da atenção e dos direitos naturalmente consagrados aos demais), em 1990 tínhamos aproximadamente 20% das crianças e adolescentes fora da escola - em 2017 esse percentual se reduziu a 4,7%; em 1990, 13,4% deles se achavam em estado de desnutrição crônica - em 2017 contaram-se 6,7%; as mortes por mil nascidos vivos caíram de 53,7 para 15,6 nesse período e a taxa média de analfabetismo entre crianças/jovens de 10 a 18 anos de idade diminuiu de 12,5% em 1990 para 1,4% em 2013.

Documento do UNICEF indica que, a partir da entrada em vigor do Estatuto, decisões judiciais passaram a assegurar a doação de próteses e órteses por parte do Estado, garantiram a contratação de professores de libras e auxiliares para acompanhar crianças autistas e com deficiência em escolas públicas e ampliaram as vagas em creches

Países em desenvolvimento carecem, ainda, da garantia a direitos básicos e elementares. Lamentavelmente a corrupção e o atraso dos governantes impedem ainda mais o acesso aos bens públicos. No Brasil, apesar das ações ajuizadas para processar administradores públicos, como o Prefeito da cidade de São Paulo, por exemplo, em julho de 2020 a fila de espera por vagas em creches dessa metrópole tinha 22,3 mil crianças, conforme dados da Secretaria Municipal de Ensino.

Aos espíritas, afinados à CEPA ou não, compete o dever de defender os direitos das crianças e dos adolescentes a uma formação digna. A lição espírita nos conduz à tarefa de contribuir para a melhoria das condições de vida para todos e em especial para crianças e adolescentes, por se tratar de pessoas em especial e peculiar condição de desenvolvimento.

Analisando o valor de uma existência na terra, bem assim a grande potencialidade para o aprendizado, não se pode desprezar nenhuma chance de se inculcar valores éticos em crianças e adolescentes, pois se encontram abertos, receptivos, disponíveis para esse exercício.

Estamos sempre às voltas com as grandes dificuldades nas relações humanas, os problemas governamentais, a desigualdade social, a ausência de proteção ambiental e tantas outras questões que impactam diretamente a vida de todos.

Esta Palavra da CEPA destina-se a convidar os leitores para refletirem sobre a responsabilidade de conduzir uma vida humana desde as suas primeiras manifestações; não descurar do dever de educar e educar-se, pois o convívio com um espírito que chega ao lar é sempre uma grande oportunidade de crescimento coletivo. Ademais, não poderia haver forma mais adequada e esperançosa para sanar as mazelas do mundo do que forjar novas cabeças, comprometidas, responsáveis e cientes do dever de todos, como indicado na questão 132 de

Há gente procurando oportunidade para dar a sua contribuição. Não poderia haver trabalho mais significativo e produtivo do que realizar ações, como já fazem diversos grupos espíritas – e não espíritas também, na área da educação. Aderir a movimentos sociais que lutam pela dignidade da educação pública, livre, laica e gratuita, abrirá um campo de trabalho inesgotável e de extrema valia.

O mundo carece por demais desse trabalho qualificado, que exige dedicação, esforço e persistência em busca da melhor educação. Especialmente espíritas, sabedores do valor de uma boa formação para a individualidade do espírito, têm motivos de sobra para trabalhar nesta causa.

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1 O Livro dos Espíritos, Q. 385, parte final.

2 QUEIROZ, Cristina e CHAVES, Léo Ramos. Revista FAPESP, n. 296, p. 37

Jon Aizpúrua
Ex-presidente da CEPA (1993/2000) e atual Assessor de Relações Internacionais

Denomina-se como laicidade à concepção da vida na qual defende-se a ausência de religião oficial na direção dos Estados, enquanto que por laicismo entende-se o movimento histórico que reivindica a implantação da laicidade.

Sobre a base de seus fundamentos humanistas, sociológicos e morais, assume-se que a laicidade estabelece um vínculo comum entre as pessoas e facilita que elas convivam respeitosa e cordialmente, processando suas diferentes opiniões em um âmbito civilizado, de liberdade e igualdade. Os princípios laicos de liberdade de consciência, de pensamento, de expressão e de organização; a igualdade de direitos e obrigações, assim como a justiça social, constituem a própria essência do sistema democrático.

É conveniente salientar que um Estado laico e, portanto, não confessional, não implica seja antirreligioso ou ateu. Toda a crença religiosa é respeitável e deve sempre garantir-se a seus adeptos o direito de vivê-la intimamente, compartilhando-a com quem se deseje e difundi-la sem restrições. Diferente há de ser o clericalismo e suas pretensões de gozar de privilégios especiais no âmbito social, situar-se por sobre ou à margem da normativa civil ou jurídica, ou impor critérios teológicos em assuntos morais, científicos ou educativos.

Felizmente, uma porção considerável da humanidade evoluiu no sentido de uma concepção laica que coloca em seus precisos termos a relação entre o mundo civil e o religioso, os Estados e as Igrejas. No mundo ocidental, com maior força, vive-se, cada vez mais, em uma sociedade pós-cristã. Esse tipo de sociedade teve início na Europa a partir do Renascimento, converteu-se em um projeto com o Iluminismo, generalizou-se entre as massas cristãs na segunda metade do século XX e foi se estendendo à América e a outros países influenciados pela cultura ocidental. A partir de um ponto de vista sociológico, não tão religioso, essas sociedades podem qualificar-se de pós-cristãs, o que significa que a cosmovisão baseada no cristianismo, em torno da qual girou a vida individual e social durante séculos, vai deixando de ser sua coluna vertebral. Essa mudança progressiva de cosmovisão na tradição cristã ocidental foi-se manifestando em muitas expressões culturais que estão sendo transformadas ou abandonadas:

  • As festas religiosas determinavam o calendário civil e trabalhista. Agora se eliminaram a maioria delas, embora sigam sendo muito importantes o Natal e a Semana Santa, não tanto no sentido religioso, mas como ocasião de viver em família e oportunidade para férias em campos e praias. O mesmo ocorreu com as festas patronais das pequenas localidades que eram dedicadas a um santo e que agora são apenas o motivo para celebrações civis e folclóricas

  • Os nomes que os pais davam a seus filhos eram buscados no calendário santo e que agora são apenas motivo de celebrações civis e folclóricas. Hoje se lhes põem nomes inventados, surgidos de combinações originais, muitas vezes estranhas e até impronunciáveis.

  • Muitas manifestações públicas, como procissões, romarias ou peregrinações, foram se despojando de seu sentido religioso original e se vão convertendo em festas folclóricas e populares, que costumam se aproveitadas pelos líderes políticos para promover sua imagem pessoal com fins eleitorais.

  • Em muitos países da órbita cristã, o registro eclesiástico de batizados e matrimônios era utilizado pelos Estados como registro civil. Há muito tempo que ambos registros obedecem a propósitos diferentes e somente o civil é obrigatório e possui efeitos legais.

  • Os símbolos religiosos cristãos, como o crucifixo ou o juramento pela Bíblia, eram frequentes em âmbito público, como escolas e repartições governamentais. Cada vez mais se impõe a tendência de suprimir qualquer exibição religiosa pública e se reduz a presença de autoridades civis a atos religiosos, reservando-se nada mais que aqueles de especial solenidade.

  • A moral estabelecida pelos cultos cristãos impunha as regras para o comportamento dos cidadãos. Atualmente discutem-se, questionam-se ou se rechaçam muitos desses critérios e comportamentos, especialmente no âmbito da sexualidade e da legítima diversidade de opções que cada pessoa tem direito de escolher sem ser discriminada ou estigmatizada.

  • A linguagem religiosa perdeu atualidade, pertinência e relevância social. Palavras e expressões como pecado, céu e inferno, salvação, culpa, penas eternas, castigos divinos, etc. foram desaparecendo do linguajar corrente e circunscrevendo-se aos atos de culto.

  • Em matéria educativa pública, já não se discute a primordial competência do Estado, ficando reservado o ensino da religião ao âmbito familiar e das organizações eclesiásticas.

  • “Crentes mas não praticantes” declaram-se muitos hoje em dia. Essa é outra característica da sociedade pós-cristã que merece atenção. Expressa-se de muitas formas: “Eu creio em Deus, mas não nos sacerdotes”, “eu me confesso diretamente a Deus, não com um homem”, “a Igreja reprime minha liberdade”, etc. Nestas e outras manifestações reflete-se uma espécie de alergia e rechaço às instituições eclesiásticas.

  • Outra característica importante da sociedade pós-cristã é a separação entre confissão religiosa e organização política e social. A liberdade de culto impôs-se nos países modernos e, como consequência, o catolicismo e outras religiões cristãs deixam de gozar de privilégios e vantagens por parte de um Estado que se declara laico. Um governante, incluindo todos os membros de seu governo, podem ser crentes, mas sua fé é um assunto pessoal e não a podem impor ao resto da sociedade.

Como é muito bem sabido, o espiritismo, desde seu início, a partir do ato fundacional que o aparecimento de O Livro dos Espíritos significou, em 1857, desfraldou a bandeira do laicismo, ressaltando o valor irrenunciável da liberdade que permite a cada ser humano administrar suas crenças em matéria de religião, de fé, de transcendência, conforme os ditames de sua razão e sem temor de ser condenado, castigado, anatematizado ou perseguido.

Claro está que o laicismo no qual se inscreve o espiritismo possui uma base inequivocamente espiritualista. Muito distanciado de um laicismo materialista e ateu que promove a indiferença frente às perguntas radicais da existência humana: sua origem e destino, assim como sua referência centrada em uma explicação exclusivamente física, química, biológica, psicológica ou sociológica da vida e da morte, o espiritismo reafirma o reconhecimento da existência de Deus como Inteligência suprema e causa primeira de todas as coisas; do espírito como entidade psíquica transcendente que preexiste ao nascimento e sobrevive depois do falecimento; do processo evolutivo ascendente do espírito que se verifica em inumeráveis e sucessivas existências; da incessante comunicação entre desencarnados e encarnados por diversidade de meios; e deriva desses princípios uma cosmovisão humanista e progressista que convida à transformação pessoal e social, no quadro dos mais elevados princípios éticos.

Convidando para a compreensão do sentido espiritual da vida, insistindo no respeito pleno e na liberdade das pessoas e dos povos, e sustentado na razão e na ciência, o espiritismo conduz a uma espiritualidade laica, equidistante do catecismo desesperançoso, do materialismo e do dogmatismo sectário e alheio à ciência e à racionalidade das teologias. Uma espiritualidade aberta e tolerante, que, por sobre a base de princípios universais, promove uma cultura de entendimento, convivência, harmonia, generosidade, solidariedade e fraternidade.

  • Uma cultura de respeito pela vida em todas as suas formas.

  • Uma cultura que garanta o exercício da liberdade de pensamento, consciência e crença.

  • Uma cultura de não violência que promova o encontro e a solução pacífica das controvérsias.

  • Uma cultura da solidariedade que impulsione a criação e a consolidação de uma ordem mundial justa, em que se apaguem as ignominiosas diferenças entre privilegiados e deserdados.

  • Uma cultura da verdade no plano da transmissão da informação e o conhecimento, que erradique a mentira.

  • Uma cultura da igualdade entre os povos, as nacionalidades, as etnias ou identidades sexuais, onde não haja lugar para a discriminação.

  • Uma cultura do trabalho, reconhecido como instrumento fundamental da riqueza social, e que seja devidamente remunerado em um ambiente de relações justas e honestas entre empresários e trabalhadores.

  • Uma cultura que promova o funcionamento democrático no exercício político das nações, sustentada no sufrágio livre e transparente, e que erradique toda a sorte de regimes autoritários e tirânicos, com independência do matiz ideológico com que se identificam.

Conceitos como estes, e muitos outros que se podem acrescentar, integram o que denominamos uma espiritualidade ética de orientação espírita sustentada na cultura do amor, e traduzem em termos concretos e atuais a proposta central de Allan Kardec e dos espíritos sábios que o assessoraram, respeito à marcha evolutiva da humanidade rumo a um horizonte superior que se definiu como “um mundo de regeneração moral e social”.

Muito bem faz nossa Associação Espírita Internacional CEPA em conceituar o espiritismo como uma visão laica, humanista, livre-pensadora, plural e progressista, porque ela coincide cabalmente com o modelo de espiritismo pensado e sonhado por Allan Kardec, seu ilustre fundador e codificador.

Jacira Jacinto da Silva
Presidente de CEPA - Associação Espírita Internacional

Dia 20 de maio é festivo para a CEPA, já que CIMA está completando 62 anos de atividade.

Quando pensamos no Movimento de Cultura CIMA, imediatamente nos lembramos de sua referência maior, o amigo querido e hoje símbolo da CEPA, Jon Aizpúrua, que há mais de 50 anos participa ativamente do trabalho espírita realizado na Venezuela.

Pensar em CIMA e em Jon, é recordar também o mentor dessa história David Grossvater, em cuja personalidade, nosso companheiro Aizpúrua se inspirou desde pronto para os estudos espíritas.

Claramente, CIMA tem nesses dois nomes a sua base e a sustentação maior; todavia, não teria permanecido, evoluído e transcendido a tantas dificuldades enfrentadas no país se não tivessem chegado, sempre, outros companheiros valiosos que puseram suas mãos e mentes a trabalho do espiritismo e do importante movimento da Venezuela que hoje faz aniversário.

O CIMA é uma instituição de grande destaque no cenário espírita internacional, não apenas pelo seu envolvimento perene com a CEPA, mas principalmente pela sua trajetória absolutamente comprometida com os princípios kardecistas, voltada ao estudo e à divulgação desta Filosofia que nos anima a prosseguir sempre. As ações, a dedicação e o posicionamento claro de CIMA sempre denotaram extrema afinidade com o viés humanista, pluralista, progressista e fraterno, tão caro à CEPA.

Estudando e difundindo o espiritismo como filosofia, ciência e moral, jamais compactuou com distorções que tanto comprometeram o espiritismo no Brasil.

A CEPA e os espíritas do mundo identificados com a sua forma livre de absorver as lições espíritas se sentem profundamente honrados e agradecidos pelo esforço percebido nos companheiros espíritas que hoje estão à frente de CIMA, por serem capazes de superar todas as dificuldades do trágico momento sociopolítico enfrentado no país, reinventando-se e propondo mais atividades de difusão do pensamento espírita, a despeito das dificuldades do país e agora também apesar da pandemia.

Em nome do Conselho Executivo da CEPA quero expressar meus efusivos cumprimentos ao movimento de cultura CIMA e a todos os seus trabalhadores, do passado e do presente, por terem a iniciativa, iniciarem e darem prosseguimento a esse trabalho exemplar de autêntica vivência espírita.

Agradecidos, estendemos aos companheiros encarnados e desencarnados um carinhoso abraço, desejando que a equipe esteja unida, que o movimento se reforce e se renove a cada época, seguindo como atuam hoje na condição de exemplo para toda a comunidade espírita do planeta.

JACIRA JACINTO DA SILVA

Presidente da CEPA – Associação Espírita Internacional

20 de maio de 2020

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DANTE LÓPEZ
Ex-presidente da CEPA (2008/2016)

Este texto devia servir para ressaltar a importância do próximo Congresso da CEPA, cujo lema central será: “O Espiritismo ante os Desafios Humanos”. Não previa que fosse nesse contexto, onde a pandemia do coronavírus submete os habitantes humanos do planeta a uma crise no sistema de saúde e na economia.

É inevitável, então, fazer algumas reflexões acerca do momento em que a Humanidade inteira deve enfrentar um inimigo comum.

Não é uma invasão extraterrestre, como alguma vez imaginou algum escritor de ficção científica, mas um pequeno ser vivo invisível o que nos desafia e que está instalado como uma ameaça na vida de cada um de nós.

Não é a primeira vez que a Humanidade se vê frente a uma pandemia. Os historiadores podem citar algum desses flagelos açoitando vidas humanas nos últimos vinte séculos, em geral espantosos e cruentos, deixando sua marca de medo no inconsciente coletivo.

São várias as diferenças com a situação atual, o contexto é diferente.

O mais negativo foi o inesperado. A velocidade de propagação do vírus tomou de surpresa os sistemas de saúde, utilizando como veículo as pessoas que, aos milhões, mobilizam-se pelo mundo em atividades de negócio ou turismo. Basta observar nas imagens os voos que ocorriam simultaneamente num dia qualquer de novembro de 2018.

Em contrapartida, o positivo está no imenso conhecimento científico e na capacidade tecnológica com que contamos hoje para enfrentar essa calamidade, o que nos permite, uma vez recuperados da surpresa, agir rapidamente e tomar as precauções necessárias para evitar uma tragédia maior.

Algumas medidas observadas, sobretudo nos últimos cinquenta anos, nos oferecem a possibilidade de transformar esse problema em uma situação de aprendizagem coletiva planetária.

Há tempos vimos tomando consciência de algumas questões que hoje se põem na primeira linha de qualquer agenda: a necessidade de revisar as políticas de cuidado dos recursos naturais, repensar como dividimos nosso tempo entre trabalho, afetos, expansão e espiritualidade, pensar e agir para desenvolver a solidariedade entre os seres humanos, fomentar a introspecção e o autoconhecimento, utilizar ferramentas para aquietar a mente e preservá-la do bombardeio de informação, e, em especial, valorizar mais os caminhos da espiritualidade.

A incerteza e a possibilidade real de que se percam vidas e bens pode propiciar mudanças de conduta, e é possível que muitos voltem a pôr os valores morais como prioridades. Só essa ação já será uma transformação positiva.

São momentos para olhar-se para dentro de si. De perguntar-se: “Que papel me cabe cumprir?”. Para cada um a resposta será diferente, entretanto para todos será importante reencontrar o equilíbrio que restitua o nível da balança ao lugar que lhe cabe.

Como Humanidade também necessitamos um novo equilíbrio mundial, que se ocupe de buscar um lugar aos que sofrem, aos que não têm oportunidades, aos explorados, aos excluídos, aos expatriados.

A ciência, a sociologia, a economia devem agudizar sua capacidade de observação e de ação. Os líderes mundiais terão que buscar uma nova ordem, mais direcionada a velar pelas necessidades mais do que para as conquistas.

Há dois anos, escutava um alto funcionário do governo de Israel dizer que, pela primeira vez na história, há disponibilidade de recursos econômicos, sociológicos e científicos para expulsar do planeta a fome e a falta de habitação.

Não espero que essa pandemia vá mudar o mundo radicalmente, mas pode ajudar a repensar a atualidade do mundo. Seguramente, haverá revisões de políticas de estado visualizando prioridades sociais. Embora seja cedo para saber, todos podemos impulsioná-las.

Que seremos capazes de fazer como Humanidade ainda é uma incógnita.

Individualmente e coletivamente, às vezes caímos na tentação de dedicar muito tempo a especular acerca do que esta ou outras crises virão a operar, e, no exercício da imaginação, nos esquecemos de vivê-la em toda sua dimensão.

Temos ainda que trilhar um caminho muito importante. Não sabemos quanto tempo durará, não sabemos quantos adoecerão, nem quantos se curarão, que roteiros tomarão os líderes dos países e que impacto terá na economia. Não deveríamos apressar conclusões.

Para que essa grande dificuldade se transforme num aprendizado individual e coletivo é necessário aceitá-la como parte da evolução natural do planeta que habitamos, tratando de levar essa segurança e serenidade àqueles que dela necessitam.

Para cumprir nosso papel, é necessário trabalhar na temperança, erradicando o medo e o otimismo místico; os dois extremos paralisam ou levam a cometer erros graves.

Se conseguirmos nos manter serenos, poderemos colaborar solidariamente para ajudar os mais fracos de ânimo e agir onde necessário.

É muito importante estarmos atentos aos acontecimentos, observar o entorno imediato em que podemos fazer algo, sem perder de vista o contexto geral, tratar de apreender o necessário para superar a inédita situação que se nos apresenta.

Entretanto para essa apreensão é necessário ainda atravessar a crise, pôr à prova nossa capacidade de resistência frente à adversidade, aceitar o que não gostaríamos de enfrentar e ver como funciona nossa resiliência, essa capacidade de sair fortalecidos das tensões.

Como já é de público conhecimento, o próximo Congresso da CEPA, que se realizaria em Salou, foi suspenso até que possamos contar com as condições adequadas.

Quando nos encontrarmos para o próximo Congresso da CEPA, o tema central – O Espiritismo Ante os Desafios Humanos – terá mais significação que nunca, e, então, poderemos analisar o novo cenário e tirar melhores conclusões. Porque teremos transposto, pela Lição da Experiência, o que a Pandemia do mundo globalizado nos haja legado.

Milton Medran Moreira

Uma homenagem a Deolindo Amorim

 

Foram muito felizes os dirigentes da CEPA e a Comissão Organizadora do XXIII Congresso da CEPA (Salou/Tarragona/Espanha/outubro 2020) em eleger como temática central daquele evento “O Espiritismo ante os Problemas Humanos”, inspirando-se em obra imortal do pensador espírita brasileiro Deolindo Amorim (1906/1984), jurista, jornalista e escritor que, entre outros importantes livros de genuínas características humanistas e cultivadoras do livre-pensamento kardecista, nos legou “O Espiritismo e os Problemas Humanos”.

A obra de Amorim, como, igualmente, pretende ser o Congresso 2020, da CEPA, é a viva demonstração de que o espiritismo transcende em muito à singela condição de uma crença, para se constituir em vigorosa proposta de transformação do mundo, a partir de um novo paradigma de conhecimento em cuja base está o espírito imortal, vocacionado à felicidade e ao progresso. Ao pretender encarar os “problemas humanos”, a partir dos valores intrínsecos à sua filosofia, o espiritismo deixa clara sua inabalável crença no homem e em sua capacidade transformadora.

Na obra inspiradora da temática central do Congresso da CEPA/2020, Deolindo Amorim enfatiza admiravelmente as raízes humanistas da proposta espírita, historicamente vinculado que se acha o espiritismo ao legado iluminista do século anterior ao seu nascimento. Mas adverte que o humanismo espírita transcende a aspectos de mera ordem social e econômica para contemplar o ser humano, primeira e precipuamente, como “ser moral”: “Interessar-se pelo homem – escreve – é procurar compreendê-lo profundamente em suas virtualidades e ajudá-lo a reformar-se para saber ocupar o seu lugar perante o mundo e as leis divinas, não é reduzir as dimensões do problema, situando-o apenas nas necessidades do estômago”. Portanto, diz: “O que se nota na Doutrina Espírita é uma preocupação insistente com o homem, não somente quanto ao bem-estar, que é uma condição normal de decência em qualquer sociedade bem organizada, mas também no que diz respeito aos valores intrínsecos de sua personalidade”.

Dessa forma, para Amorim, “a solução espírita é muito mais humanista do que as soluções de interesse simplesmente político, pois não basta oferecer o necessário à subsistência, que é dever elementar, nem promover ascensões violentas, porque é preciso educar, preparar o homem, melhorar também o sistema que o envolve e remover hábitos, ideias e processos defeituosos”.

O humanismo apregoado pelo espiritismo, e claramente assimilado, comentado e recomendado por Deolindo Amorim, oferece a chave para o efetivo enfrentamento dos “problemas humanos” de nosso tempo, até porque se funda em valores atemporais, mas que nos capacitam a fazer a leitura correta das especificidades de cada tempo e lugar.

A homenagem que se presta ao fecundo pensador espírita brasileiro, neste primeiro Congresso da CEPA em terras europeias, inaugurando o perfil intercontinental da entidade, é, ademais, oportuna recordação do efetivo vínculo de Deolindo Amorim com a antiga Confederação Espírita Pan-Americana, nos primórdios da existência da CEPA, e a plena adesão dele ao projeto kardecista e integrador que inspirou a fundação da instituição, antes pan-americana e, agora, internacional. Com efeito, o II Congresso Espírita Pan-Americano, em 1949, três anos após sua fundação, teve por sede o Rio de Janeiro, promovido pela Liga Espírita do Brasil, da qual Amorim era dirigente. Exercendo a Secretaria Geral do evento, Deolindo Amorim foi seu verdadeiro cérebro, marcando indelevelmente a história da CEPA no Brasil, com a eleição, ali, de Pedro Delfino Ferreira, para a presidência da entidade.

É sabido que, justamente naquela época, e como contraponto aos esforços da CEPA em divulgar uma visão laica e livre-pensadora do espiritismo, intensificou-se, no Brasil, a propagação da versão religiosa e evangélica do espiritismo. Precisamente, por ocasião do Congresso da CEPA, no Rio, a Federação Espírita Brasileira promulgou o documento denominado “Pacto Áureo”, de clara inspiração roustainguista e com o propósito de “unificar” a “religião espírita”, afastando a influência, o convívio e coparticipação, no movimento, de pensadores de formação genuinamente kardecista. Tal política hegemônica, de conotação religiosa, é responsável por fazer de Deolindo Amorim uma personalidade pouco recordada, no movimento evangélico-espírita do Brasil. Coube e cabe à CEPA o dever de repor sua insigne figura no rol dos mais importantes pensadores da história do genuíno espiritismo, kardecista, progressista e livre-pensador.

O XXIII Congresso da CEPA, em boa hora, faz esse importante resgate histórico.

Ademar Arthur Chioro dos Reis

Assessor Especial da Presidência da CEPA

De 9 a 12 de outubro de 2020, em Salou, província de Tarragona (Espanha), distante cerca de 110 Km de Barcelona, será realizado o XXIII Congresso da CEPA – Associação Espírita Internacional, tendo como tema central: “O espiritismo e os problemas humanos”.

Trata-se do primeiro Congresso da CEPA realizado em outro continente, já que todos os anteriores, desde a criação da CEPA, em 1946, foram realizados nas Américas. Consolidam-se, assim, as importantes mudanças estatutárias aprovadas no XXII Congresso, realizado em Rosario (Argentina), em 2016, quando a Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA) passou a constituir-se como uma organização mais ampla e horizontalizada, de caráter intercontinental, integrada por pessoas e instituições de todo o mundo.

Vale lembrar que a “marca” CEPA foi mantida, passando nossa instituição a se denominar CEPA – Associação Espírita Internacional, sendo, portanto, a sucessora da Confederação Espírita Pan-Americana.

O XXIII Congresso da CEPA está sendo organizado por um sólido e qualificado grupo de espíritas vinculados à CEPA na Espanha, pertencentes a instituições de distintas regiões espanholas, que compõe a Comissão Organizadora, presidida por David Santamaria Planas, do Centro Barcelonês de Cultura Espírita. O planejamento do evento conta, ainda, com o apoio dos membros do Conselho Executivo da CEPA, que têm se dedicado com prioridade à sua organização.

O Congresso é um marco na consecução dos objetivos da CEPA, pois permite promover e difundir o conhecimento do espiritismo, a partir do pensamento de Allan Kardec, seu fundador, sob uma visão laica, livre-pensadora, humanista, progressista e pluralista. Permite, ainda, promover, estimular e acompanhar esforços voltados à atualização permanente do espiritismo, tarefa que a CEPA considera fundamental e inadiável. Trata-se, também de uma grande oportunidade de promover a integração entre espíritas e instituições espíritas de todos os continentes que se afinizam com os objetivos da CEPA ou que desejam conhecê-la, já que se trata de um evento aberto àqueles que desejarem conhecer a CEPA e suas ideias.

Na programação, que em breve será anunciada em detalhe, consta a realização de conferências, mesas redondas, painéis, apresentação de trabalhos no Fórum de Temas Livres, lançamento de livros e autógrafos, além de diversas atividades culturais e confraternizativas. Será realizada, ainda, a Assembleia Geral da CEPA para eleição do Conselho Executivo da entidade para o quadriênio 2020-2024.

O evento contará com a participação de renomados estudiosos, pesquisadores e divulgadores do espiritismo kardecista, laico, progressista e livre-pensador. Delegações de diversos países já estão sendo organizadas, tendo expectativa de presença de espíritas da Argentina, Brasil, Uruguai, Colômbia, Venezuela, Guatemala, Cuba, Porto Rico, México, EUA, Espanha, França, Portugal, entre outros países.

Vivemos uma conjuntura global marcada por incertezas. O desenvolvimento científico, tecnológico e informacional, a globalização da economia e dos mercados, e tantas outras mudanças produzidas no mundo até essas duas primeiras décadas do século 21 não foram capazes de resolver problemas históricos da humanidade, como a fome, a miséria, a brutal desigualdade social, a intolerância religiosa e étnica, a exploração do trabalho humano e dos recursos naturais, a violência sexual, de gênero, entre outros. Aportaram, contudo, novos problemas e desafios.

Neste contexto é fundamental que possamos analisar os problemas humanos em profundidade, observando aportes teóricos, conceituais e vivenciais de distintos campos do conhecimento humano, mas oferecendo a contribuição oriunda da filosofia espírita. Uma concepção do homem e do mundo centrada na perspectiva da existência do espírito, da imortalidade, da reencarnação como dispositivo para evolução intelectual e moral – dos indivíduos e das coletividades – pode contribuir com elementos substantivos para o processo civilizatório da humanidade, numa perspectiva planetária.

Para a CEPA, enfrentar os problemas humanos, superá-los e construir uma sociedade mais justa, solidária e fraterna, que viva em paz e seja capaz de garantir a vida e a dignidade como um direito de todos, independente da classe social ou em que país se viva, é um dever de todos aqueles que habitam esse planeta. Não se trata de tarefa a ser atribuída à “espiritualidade” ou que se pretenda resolver por meio de uma pretensa “reforma íntima”, realizada de forma solitária e alienadora.

Somos, como bem disse J. Herculano Pires, coconstrutores do universo. Esta é nossa tarefa inadiável. É no (e pelo) mundo que poderemos trilhar nosso caminho evolutivo.

Pois bem, é sobre essa perspectiva, e com disposição de tomar os problemas humanos como objeto de estudo e ao mesmo tempo de intervenção, que escolhemos como tema central para o XXIII Congresso da CEPA “O espiritismo e os problemas humanos”.

A CEPA espera a todos de braços abertos na Espanha, em nosso XXIII Congresso. Falta menos de um ano para sua realização e mais informações poderão ser obtidas no site da CEPA: www.cepainternacional.org .

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