Jacira Jacinto da Silva
Advogada, Presidente da CEPA – Associação Espírita Internacional
Ser criança, é ter liberdade para viver a infância com qualidade. Ser criança, é ter direito à moradia adequada, à alimentação saudável e a uma boa educação. Ser criança, é poder ser amado, protegido e feliz. Simples assim.
Isa Colli.
Foi em 20 de novembro de 1989 que a Assembleia Geral das Nações Unidas – ONU adotou a
Poder-se-ia questionar o motivo de tantas e novas leis; afinal, já existe a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cada país tem a sua Constituição Federal, ou o seu Estatuto legislativo maior, contemplando os direitos vigentes para aquele povo, naquele tempo. Mas esses comandos legais gerais, em regra, não atingem seus objetivos e a população termina por contorná-los, de forma que apesar de serem importantes e aplicáveis, são ignorados. Claro que cada país tem as suas peculiaridades e, inclusive, há níveis muito diferentes de tolerância à desobediência.
Disso resultam legislações específicas, tratando de um único tema, como a proteção da criança, o crime de racismo, a proteção ambiental, os direitos do idoso, a proteção de dados pessoais etc. Em síntese, essas legislações especiais não seriam necessárias se as pessoas atentassem à obrigação de cumprir os comandos gerais.
Fato é que 196 países ratificaram a Convenção dos Direitos da Criança, adotada pela ONU há 31 anos.
Conquanto saibamos das limitações existentes na legislação humana, seus defeitos, seus vieses, suas motivações – muitas vezes particulares e indignas, ainda podemos dizer que sem ela estaríamos em condições piores. É a legislação humana que garante, minimamente, a convivência social.
A renovação das leis também faz sentido se pensarmos que, na resposta à questão 763 de
No mesmo sentido, a resposta à questão 616: “
E mais não precisaria para nos convencermos de que as leis humanas são transitórias, divergentes, impotentes para solucionar os conflitos humanos, embora apropriadas à cultura de cada povo.
Vale destacar ainda o enunciado contido na Q. 521:
[os grifos são meus] (P
A tendência mundial de proteger as crianças e os adolescentes, garantindo-lhes formação digna, educação, moradia, estudo, saúde, cultura, lazer e todos os cuidados necessários à sua boa formação, estão perfeitamente conformes com a lição espírita encontrada no capítulo de
“ A infância ainda tem outra utilidade. Os Espíritos só entram na vida corporal para se aperfeiçoarem, para se melhorarem. A delicadeza da idade infantil os torna brandos, acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devam fazê-los progredir. Nessa fase é que se lhes pode reformar os caracteres e reprimir os maus pendores. Tal o dever que Deus impôs aos pais, missão sagrada de que terão de dar contas. Assim, portanto, a infância é não só útil, necessária, indispensável, mas também consequência natural das leis que Deus estabeleceu e que regem o Universo.” 1
Não obstante, há quem considere o Estatuto dos direitos da criança e do adolescente um equívoco, atribuindo-lhe excessiva proteção e muitos direitos sem o correspondente rol de obrigações.
No Brasil, para os leitores terem noção da importância de regulamentar direitos às chamadas minorias (essa denominação destina-se apenas a classificar as pessoas excluídas da atenção e dos direitos naturalmente consagrados aos demais), em 1990 tínhamos aproximadamente 20% das crianças e adolescentes fora da escola - em 2017 esse percentual se reduziu a 4,7%; em 1990, 13,4% deles se achavam em estado de desnutrição crônica - em 2017 contaram-se 6,7%; as mortes por mil nascidos vivos caíram de 53,7 para 15,6 nesse período e a taxa média de analfabetismo entre crianças/jovens de 10 a 18 anos de idade diminuiu de 12,5% em 1990 para 1,4% em 2013.
Documento do UNICEF indica que, a partir da entrada em vigor do Estatuto, decisões judiciais passaram a assegurar a doação de próteses e órteses por parte do Estado, garantiram a contratação de professores de libras e auxiliares para acompanhar crianças autistas e com deficiência em escolas públicas e ampliaram as vagas em creches
Países em desenvolvimento carecem, ainda, da garantia a direitos básicos e elementares. Lamentavelmente a corrupção e o atraso dos governantes impedem ainda mais o acesso aos bens públicos. No Brasil, apesar das ações ajuizadas para processar administradores públicos, como o Prefeito da cidade de São Paulo, por exemplo, em julho de 2020 a fila de espera por vagas em creches dessa metrópole tinha 22,3 mil crianças, conforme dados da Secretaria Municipal de Ensino.
Aos espíritas, afinados à CEPA ou não, compete o dever de defender os direitos das crianças e dos adolescentes a uma formação digna. A lição espírita nos conduz à tarefa de contribuir para a melhoria das condições de vida para todos e em especial para crianças e adolescentes, por se tratar de pessoas em especial e peculiar condição de desenvolvimento.
Analisando o valor de uma existência na terra, bem assim a grande potencialidade para o aprendizado, não se pode desprezar nenhuma chance de se inculcar valores éticos em crianças e adolescentes, pois se encontram abertos, receptivos, disponíveis para esse exercício.
Estamos sempre às voltas com as grandes dificuldades nas relações humanas, os problemas governamentais, a desigualdade social, a ausência de proteção ambiental e tantas outras questões que impactam diretamente a vida de todos.
Esta Palavra da CEPA destina-se a convidar os leitores para refletirem sobre a responsabilidade de conduzir uma vida humana desde as suas primeiras manifestações; não descurar do dever de educar e educar-se, pois o convívio com um espírito que chega ao lar é sempre uma grande oportunidade de crescimento coletivo. Ademais, não poderia haver forma mais adequada e esperançosa para sanar as mazelas do mundo do que forjar novas cabeças, comprometidas, responsáveis e cientes do dever de todos, como indicado na questão 132 de
Há gente procurando oportunidade para dar a sua contribuição. Não poderia haver trabalho mais significativo e produtivo do que realizar ações, como já fazem diversos grupos espíritas – e não espíritas também, na área da educação. Aderir a movimentos sociais que lutam pela dignidade da educação pública, livre, laica e gratuita, abrirá um campo de trabalho inesgotável e de extrema valia.
O mundo carece por demais desse trabalho qualificado, que exige dedicação, esforço e persistência em busca da melhor educação. Especialmente espíritas, sabedores do valor de uma boa formação para a individualidade do espírito, têm motivos de sobra para trabalhar nesta causa.
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1 O Livro dos Espíritos, Q. 385, parte final.
2 QUEIROZ, Cristina e CHAVES, Léo Ramos. Revista FAPESP, n. 296, p. 37