john aizpuruaJON AIZPÚRUA

Ex-presidente da CEPA (1993/2000) e atual Assessor de Relações Internacionais

Uma das questões mais difíceis e delicadas que se apresentam no Espiritismo desde o princípio, se relaciona com suas possibilidades para manter-se atualizado, frente aos avanços que se produzem continuamente em todas as áreas do conhecimento e, ao mesmo tempo, preservar os princípios básicos que garantam sua identidade doutrinária e constituem a razão mesma de sua existência. Identidade e mudança, são pois, os términos de uma equação que exige uma atitude aberta, equilibrada e prudente.

Uma atitude, precisamente, como a que adotou em seu tempo Allan Kardec, o ilustre fundador y codificador da Doutrina Espírita, e é por isso que a leitura de suas obras nos inspira tanta confiança e segurança na correta orientação que ele trouxe, seguindo ademais as pautas que lhe proporcionarão espíritos de altíssima elevação moral e intelectual.

Em “O Livro dos Espíritos” e demais textos que integram a obra kardeciana, encontramos de maneira explícita os critérios que definem as características progressistas da ideia nascente:

Doutrina evolutiva

“O Espiritismo, avançando com o progresso, nunca será ultrapassado, pois, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro em algum ponto, ele se modificará nesse ponto e se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará.”

Científica, filosófica e moral

“O Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, consiste nas relações que podem estabelecer-se com os espíritos; como doutrina filosófica, compreende todas as consequência morais que decorrem dessas relações.”

Aberta

“O Espiritismo, sob pena de suicídio, não fechar as portas a nenhum progresso.”

Dinâmica

“A imobilidade, em vez de ser uma força, se converte em uma causa de debilidade e rotina para quem não segue o movimento geral; rompe a unidade, porque aqueles que desejam adiantar-se separam-se dos que se obstinam em ficar para trás.”

Racionalista

“A força do Espiritismo reside na sua filosofia, no chamamento que faz à razão e ao bom senso.”

Arreligiosa

“Não tendo o Espiritismo nenhuma das características de uma religião, na acepção usual da palavra, não poderia nem deveria apresentar-se com um título cujo valor inevitavelmente se haveria equivocado. É por isso que simplesmente se diz doutrina filosófica”

Universalista e fraterna

“A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social. Mas, não haverá fraternidade real, sólida e efetiva se não estivesse apoiada sobre uma base indestrutível, esta base é a fé; não a fé em tais ou quais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos se lançam pedras porque, anatematizando-se, mentêm o antagonismo, senão a fé nos princípios fundamentais que todo o mundo pode aceitar. Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido e a perpetuidade das relações entre os seres. Esta é a fé que dá o Espiritismo e que será de agora em diante o centro em torno do qual se moverá o gênero humano.”

Tais características, claramente pontuadas nestas citações de Kardec, representam a melhor garantia de que o Espiritismo, não somente veio no momento oportuno, superando dialeticamente as carência e erros tando do materialismo como da religião; senão que chegou para ficar, mostrando à humanidade um caminho certo para novos e superiores destinos.

Transcorreu cerca de um século e meio desde que foi codificado, e em todo esse tempo, rico em transformações sociais, científicas, intelectuais, culturais, econômicas e políticas, os postulados básicos que definem o Espiritismo, longe de resultar danificado pelo impacto dessas mudanças, se fortaleceu, pois surgiram novas evidências que confirmam sua autenticidade e veracidade. Agora, na antessala do século XXI, com os novos enfoques das ciências naturais e das ciências sociais que deram origem a concepções emergentes com as que oferecem a biologia molecular, a física quântica, a psicologia transpessoal ou a parapsicologia, está abrindo passagem para um novo paradigma do conhecimento que se define como holista, sistêmico, dialético, ecológico e profundamente espiritualista. Um paradigma em que se apresenta ao Universo como a cristalização do pensamento e a vontade de Deus, como um infinito sistema em contínua evolução, e ao homem com uma completa unidade bio-psico-socio-espiritual. Nesse paradigma, os princípios fundamentais que integram o corpo doutrinário do Espiritismo: Deus, espírito, sobrevivência, reencarnação, evolução, mediunidade e pluralidade de mundos habitados, se situam com perfeita comodidade: mantê-lo sempre atual, de mãos com o progresso e não na sua retaguarda. E isso é o mesmo que já consideraram necessário pensadores da estirpe de Léon Denis, Gabriel Delanne, Gustavo Geley, Ernesto Bozzano, Amalia Domingo Soler, Quintín López Gómez, Antonio Freire, Oliver Lodge, Cosme Mariño, Manuel Porteiro, Humberto Mariotti, Angelo Torteroli, Carlos Imbassahy, Herculano Pires, Deolindo Amorim, Soto Paz Basulto, Rosendo Matienzo Cintrón, Luis Zea Uribe, Ernesto Moog, Pedro Alvarez y Gasca, David Grossvater, Manuel Matos Romero, para mencionar somente alguns de seus mais insignes representantes em diversas épocas e nações.

Atualizar o Espiritismo não implica, de forma alguma, a eliminação ou a substituição de nenhum de seus postulados centrais. Mas significa, isso sim, revisar a maneira com são entendidos e interpretados, e adequados às novas conquistas do conhecimento científico. Encontramos numerosos temas e conceitos que apenas foram insinuados nas obras kardecianas, e que requerem ser completados e desenvolvidos. A ciência e suas aplicações tecnológicas abriram rumos que antes não existiam e que o Espiritismo deve também incorporar. E a linguagem com que se comunicam as ideias, com todas suas implicações semânticas e semiológicas, deve ser revisado, modificado e aperfeiçoado.

Isso, que é tão óbvio e elementar e provoca tanto pesar aos espíritas de mentalidade conservadora e dogmática, já o fez Kardec em seu tempo. Em abril de 1857 publicou “O Livro dos Espíritos”, contendo 501 perguntas e respostas e, em 1860, deu a conhecer a que seria a segunda e definitiva edição com 1018 questões. Havia revisado diversas opiniões e mais que duplicado o número de assuntos abordados! Em 1858 publicóu “Instruções práticas sobre as manifestações espíritas” e depois tomou a decisão de não editar mais essa obra e refundi-la em “O Livro dos Médiuns”. Tanto em seus livros como na Revista Espírita, Kardec reconhece, com a honestidade que lhe caracterizava, que em numerosas oportunidades se viu obrigado a modificar sua opinião sobre certos temas e interpretações, e convida os espíritas a atuar sempre desse modo para evitar que a doutrina fique marginalizada do progresso geral.

Para nós está muito claro que se deve resguardar a integridade da doutrina e a fidelidade às diretrizes que foram traçadas pela espiritualidade superior, e que se deve permanecer alerta ante às “inovações” de procedências estranhas que trataram de infiltrá-la, apresentando a si mesmas como “revelações superiores”, e que na verdade, nada acrescentam de interessante ou construtivo, e muito pelo contrário, introduzem ideias absurdas e extravagantes que desacreditam a quem as admite.

A atualização do Espiritismo é um enfoque e uma atitude que se sintonizam plenamente com a letra e com o espírito dos ensinamentos de seu ilustre codificador. Não outra coisa haveria nestes momentos e não outra coisa nos está reclamando que façamos. Esta convicção nos move a expressar com firmeza e serenidade que a vigência de Kardec não está em discussão, que seu pensamento é muito atual e que o sentido dinâmico e progressista de sua obra é a maior garantia de que sempre estará em sintonia com o progresso.

A atualização do Espiritismo é uma necessidade inadiável e um desafio à inteligência, à cultura e à sensibilidade dos espíritas. Marchamos para esse processo, desfraldando a bandeira de Kardec e sentindo em nossas almas a inspiração desse mundo espiritual superior que orienta, anima e impulsiona todo esforço esforço que contribua para a superação da humanidade.

Fonte: http://movimientoespiritacima.org/

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