JON AIZPÚRUA

Ex-presidente da CEPA (1993/2000) e atual Assessor de Relações Internacionais

Nos anos que correm, neste século XXI, temos tido a oportunidade de apreciar certas mudanças de singular relevância, produzidas em numerosos e variados setores do movimento espírita internacional. Mudanças de mentalidade, de atitude e de disposição para o encontro e o diálogo que se expressam de diferentes maneiras obtendo notável ressonância, em virtude das enormes possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias de comunicação virtual, cujo emprego vem se multiplicando em todo o planeta, como consequência da pandemia que acoita a humanidade desde o início de 2020.

Seguramente foram realizadas em um ano mais conferências, congressos, simpósios, filosóficos, científicos e éticos, sob a ótica espírita, que nas décadas precedentes. As vantagens que derivam dessas reuniões virtuais, especialmente pela considerável redução de custos e pela comodidade de receber a informação em seu lar, se traduzem em um efeito democratizador com relação a uma mais ampla e plural participação de expositores, os quais passam a ser muito mais conhecidos e cujas ideias fluem com maior liberdade e alcançam públicos antes inacessíveis.

Com inocultável satisfação, temos de destacar que esses eventos espíritas celebrados em diferentes países da América e Europa, assim como os que estão por ocorrer, foram concebidos como espaços abertos para facilitar a mais livre exposição das ideias, dentro de um ambiente fraterno e amplo, marcado pelo respeito, a alteridade, o pluralismo e o diálogo, onde não há espaço para restrições, proibições, censuras, desqualificações ou anátemas, como os que, às vezes, são lançadas contra aqueles que se atreveram a dissentir das verdades oficiais e a expressar suas dúvidas e suas críticas, ou a inovar com propostas criativas.

Na mesma direção, saudamos com regozijo, a edição e circulação de publicações impressas ou digitais que reivindicam o direito essencial à liberdade de informação e de expressão e oferecem em suas páginas conteúdos originais, novos, ágeis, acerca de questões humanas e sociais de atualidade, sobre as quais tanto tem a dizer a doutrina espírita e que marcam distância daquele jornalismo tradicional, lento, pesado, repetitivo, dedicado à catequese evangelizadora, muito afastadas da proposta educativa, humanista e transformadora, inerente ao pensamento kardecista original.

Está em curso uma revisão historiográfica do espiritismo, realizada por estudiosos de apreciável caráter acadêmico e insaciável curiosidade cujo objetivo é o de oferecer à cultura contemporânea, e não apenas aos espíritas, um conhecimento cabal da doutrina fundada, sistematizada e codificada por Allan Kardec e do movimento gerado a partir daquelas bases. Como já é de conhecimento público, estão se dando a conhecer notícias sobre a vida e a obra de Kardec que ampliam e corrigem opiniões e crenças sustentadas durante muito tempo, quando se descobrem alterações ou adulterações em edições posteriores de alguns de seus livros, realizadas com a intenção de suprimir ou modificar conceitos de grande relevância que dão sustentação ao espiritismo como uma filosofia humanista e livre-pensadora cujos postulados se concretizam em uma moral autônoma e emancipadora, para substitui-los por noções derivadas de arcaicos dogmatismos religiosos.

Novos livros estão aparecendo, cobrindo um amplo espectro temático, e seus autores esmeram-se em apresentar os resultados de suas investigações ou de suas reflexões, sempre com a intenção de reafirmar a doutrina espírita em seus princípios fundamentais e adequá-los, quanto à linguagem e conteúdo, às demandas do pensamento contemporâneo, e em particular aos impressionantes avanços científicos e sociais, propondo, ao mesmo tempo, as contribuições que oferece o espiritismo à configuração de um novo paradigma, como filosofia espiritualista, deísta, reencarnacionista e evolucionista. A Coleção Livre Pensar, que acaba de ser lançada pela CEPA – Associação Espírita Internacional, se constitui numa das vigorosas e frutíferas iniciativas dos tempos atuais.

São, enfim, mudanças que saudamos com entusiasmo permitindo-nos supor, com razoável otimismo, que o livre-pensamento, com tudo o que essa palavra guarda, como representação do legítimo direito de o ser humano pensar e atuar com plena liberdade, atendendo os ditames de sua consciência, está conquistando e atraindo mentes e corações de numerosos espíritas. Estes não mais se identificam com a versão do espiritismo até agora dominante e que lhes envolveu em nebulosidades religiosas, amparadas em uma pretensa autoridade divina consagrada por via de discutíveis revelações mediúnicas, que apresentou o espiritismo como uma ideologia mística e conservadora, castrando-lhes as colossais potencialidades transformadoras de homem e de mundo.

No Brasil, de longe o país onde o espiritismo conseguiu sua maior difusão e implantação, assim como em outras nações americanas e europeias, tais manifestações livres-pensadoras acham-se em plena efervescência, e, no âmbito da CEPA, as recebemos com visível alegria. Com os naturais matizes que distinguem pessoas e grupos, percebe-se um fundo comum entre todos aqueles que reafirmamos nossas convicções espíritas sobre a base do corpus doutrinário estabelecidos por Allan Kardec, a partir das informações oferecidas por espíritos de singular sabedoria e moralidade. Conscientes do caráter progressivo do espiritismo, esmeramo-nos em adequá-los, no que se refere a conteúdo e linguagem, aos avanços e descobertas das ciências naturais e sociais, da filosofia e da cultura em geral.

A CEPA estende fraternalmente sua mão amiga à dos espíritas que sintonizam com esse olhar livre-pensador, e convida a um encontro entre companheiros de um mesmo ideal, para conjugar esforços, dialogar com respeito e espírito aberto, estabelecendo uma relação de cooperação horizontal, desprovida de trâmites burocráticos ou intenções proselitistas.

Que seja o livre-pensamento, denominação tão apreciada por Kardec em seu tempo, um fator chave para estimular relações amáveis e construtivas entre os espíritas de maior lucidez e disposição para o estudo que frutifique em criativos intercâmbios de ideias, reflexões, experiências, buscas, em prol do progresso do espiritismo, como doutrina e movimento.

Dante López

Ex-presidente da CEPA (2008/2016)

Por estes dias, está se completando um ano do momento em que nosso planeta começava a tomar consciência de que a Humanidade estava enfrentando uma pandemia.

Para os governos necessitou passarem-se dois meses, desde as primeiras manifestações na China, para tomarem consciência da gravidade da questão e da necessidade de se tomar medidas extraordinárias, a fim de enfrentar suas consequências.

O medo começou a tomar conta da população e as reações dos governantes foram diversas. Houve aqueles que fecharam suas fronteiras e sua economia temporariamente, outros priorizaram a economia e deduziram que seria mais prejudicial para todos a cessação das atividades.

Não nos detenhamos a analisar quem esteve mais acertado, porque à luz dos resultados obtidos, nenhum dos extremos teve bons efeitos.

Os que melhores resultados obtiveram são governos que impulsionaram a conduta solidária e disciplinada de seus cidadãos, os que apelaram à responsabilidade e à consciência das pessoas.

É interessante observar, um ano após se haver iniciado o processo, quantas discussões e quantos aprendizados tivemos em torno desse processo, pois isso importa à vida.

Num dos extremos temos os governos dos EE UU e Brasil, que priorizaram a atividade econômica, sem a prudência necessária, com a ideia de que esse caminho seria o mal menor para as pessoas. O resultado? Aproximando-se perigosamente a dois por mil de sua população, com falecimentos por Covid, foram os piores resultados.

No outro extremo, outros países, como a Argentina, tendo fechado sua economia por seis meses, suas escolas e universidades por todo o ano, estão na faixa de um e meio por mil falecimentos por Covid. Entretanto, experimentam tremendas dificuldades econômicas, um índice de pobreza que atinge 50% da população e um prejuízo incalculável a milhares de crianças e jovens em seu processo educativo.

Situando-se no meio, temos países como Alemanha ou França, que foram trabalhando a situação, apelando à responsabilidade cidadã e obtendo resultados um pouco inferiores a um por mil de sua população.

Com resultados piores ou menores, ninguém, no entanto, se livrou do flagelo. Neste momento, cabe-nos lamentar o falecimento de cerca de dois milhões e quinhentas mil pessoas no mudo todo. Aproximadamente 0,33 por mil da população mundial.

Oferecendo-se uma perspectiva: Entre 1918 e 1919, se estendeu em grande velocidade por todo o mundo a chamada Gripe Espanhola. Esta, em apenas 18 meses, infectou um terço da população mundial e provocou a morte de 50 milhões de pessoas, cinco vezes mais perdas humanas que na Primeira Guerra Mundial.

Essa tremenda perda significou em torno de 25 por mil da população da Terra, no momento. Ou seja: proporcionalmente 100 vezes mais que agora.

Podemos tirar algumas conclusões a partir desses simples dados numéricos. Indubitavelmente, a Humanidade progrediu muitíssimo em termos econômicos, científicos, sociais e ambientais, o que permitiu às pessoas terem um nível de imunidade muito superior a 100 anos atrás.

A qualidade de vida melhorou sensivelmente, com acesso a sistemas de saneamento, água potável, gás e eletricidade, com ruas pavimentadas e controle de resíduos. Calefação e refrigeração estão bastante expandidas em lares de quem tem acesso ao trabalho.

Estamos falando de uma parte importante da população. Somos conscientes de que falta muitíssimo para que esse nível mínimo de conforto chegue a toda a humanidade, atendo-nos a termos comparativos com a situação em que se vivia há um século.

A medicina está disponível em qualidade e quantidade para boa parte da população, o que se pode verificar pelo aumento da média de vida, já que, há 100 anos, era de um pouco mais de 50 anos e na atualidade passa dos 70.

Fica demonstrado esse considerável avanço na tecnologia médica diante da rapidez em tornar disponíveis uma dezena de vacinas contra a nova cepa do Covid em menos de um ano.

Por certo, teremos de buscar muitas conclusões acerca de como cada indivíduo enfrentou essa realidade, como atuaram as sociedades, os países, os governos, a OMS e os Organismos Multilaterais, mas temos de estar conscientes acerca de um significativo avanço nas condições de vida da Humanidade nos últimos 100 anos, fortemente marcados os limites pelas pandemias que impactaram o planeta.

A esse raciocínio otimista podemos agregar o crescimento observado no estudo da espiritualidade transcendente, campo no qual houve um forte avanço na valorização de todas as disciplinas espiritualistas. Já, definitivamente, muitos seres humanos encontram a espiritualidade fora das religiões tradicionais, o que nos permite sentir que, apesar de tudo o que falta, temos de estar felizes por aquilo já alcançado.

Por certo, falta mais compromisso participativo e solidário no sentido de que as pessoas ainda não atingidas pelos níveis mínimos de conforto do Século XXI possam obtê-los. Para isso, necessitaremos eleger governantes que pensem mais nas pessoas do que em si mesmos e nas suas carreiras políticas, que não vejam o Estado como próprio e tenham a si mesmos como servidores públicos.

Cada um de nós, com profunda convicção espírita e sabendo que as mudanças se dão em períodos longos de tempo, sigamos trabalhando para melhorar nosso meio, dando o melhor exemplo de humanidade que nos seja possível naqueles lugares onde atuamos. E que, assim, sigamos lutando para conquistar um mundo melhor a cada dia.

Milton Medran Moreira

Assessor de Relações Internacionais da CEPA

Lá pelos anos 90 do século passado, visitei uma praia chamada Vanice, na Califórnia. Havia ali uma série de barraquinhas abrigando ativistas, crentes e propagandistas das mais diferentes causas. Via-se um pouco de tudo: gente fazendo campanhas ecológicas, religiosos pregando a Bíblia, ciganas lendo as linhas das mãos e videntes prevendo o futuro de tanta gente curiosa.

Em meio a tudo isso, que alguns poderiam chamar de um verdadeiro “choque de egrégoras”, foi que também lembro ter visto, pela primeira vez, um movimento organizado de ateus com cartazes reivindicando respeito às suas ideias e distribuindo panfletos a quem passasse.

Os ateus, num país e num continente onde o fundamentalismo cristão tem, ainda hoje, um peso significativo, inclusive com fortes influências na política e em importantes decisões judiciais dos tribunais superiores acerca de costumes, começavam, ali, a deixar de esconder suas verdadeiras ideias. Protestavam contra as impregnações teístas da sociedade organizada e reivindicavam, mais do que um Estado laico, um Estado ateu.

Desde então, tem crescido muito, em todo o mundo ocidental, o que poderia se chamar da onda ateísta. Na verdade, tem se tornado moda dizer-se ateu. Artistas, escritores, cronistas, intelectuais, especialmente depois de alguns best-sellers sobre ateísmo, encorajam-se a proclamar sua não crença em uma divindade. Mas, invariavelmente, quando se referem a Deus, o fazem a partir dos conceitos de divindade criados pelas religiões. O deus pessoal judaico-cristão, o deus criador de todas as coisas, que fez tudo do nada, é aquele geralmente negado pelos ateístas. Muitos deles guardam, inclusive, convicções, ou, pelo menos, alguma simpatia à tese da sobrevivência do espírito após a morte. Mas não conseguem conpatibilizar o deus das religiões monoteístas com um esquema de vida minimamente racional e que obedeça a leis inteligentes, capazes de extrapolar a matéria grosseira em que estamos envolvidos.

O espiritismo propõe um conceito de Deus que vai muito além daquele criado pelas religiões. Ao afirmar que “Deus é a inteligência suprema e a causa primeira de todas as coisas”, o espiritismo desantropomorfiza-o e o apresenta como a grande Consciência Universal.

Esse conceito é compatível com as tendências da ciência moderna. Amit Goswami, um dos mais proeminentes físicos da atualidade, no seu livro “O Universo Autoconsciene”, sustenta que o Universo seria matematicamente inconsistente sem a presença de uma inteligência superior. Ele prognostica que, neste século, Deus deixará de ser um tema das religiões para tornar-se uma questão das ciências.

Não faz sentido reduzir Deus a uma crença. Ele não é uma questão de fé, imposta pelo medo ou mesmo como busca de recompensa futura. Ele é algo (algo e não alguém), reclamado como indispensável para minimamente se entender acerca da fascinante ordem a sustentar o universo.

Mesmo sendo um dos princípios basilares do espiritismo, a existência de Deus, entretanto, não é sua questão central. A grande questão do espiritismo é o ESPÍRITO, definido na questão número 23 de O Livro dos Espíritos, como "princípio inteligente do universo”.

Com muita propriedade, e com o intuito de afastar definitivamente do espiritismo a condição de uma crença, centrada na divindade tal como a concebem as religiões monoteístas, Jaci Regis, que nos deixou naquele 13 de dezembro de 2010, desencarnou propondo que o espiritismo se tornasse a verdadeira “ciência da alma”, porque aí está o objeto essencial de sua proposta de conhecimento.

O dia que dispusermos de um sólido conjunto comprobatório da realidade do espírito, de sua sobrevivência após a morte e de sua essencialidade como o verdadeiro agente da consciência humana, estaremos abrindo caminho para a compreensão de consciências sobre-humanas e, daí, a uma Consciência Universal, acima da qual não se possa conceber qualquer outra inteligência.

MAIS UM CICLO SE INICIA

2020 seria um ano para se esquecer?

Sobre o tempo, temos plena convicção: Passa rápido! Tudo passa nesta vida, a energia, a beleza, a juventude; Passam as alegrias e os sucessos, mas também a escuridão. Cada momento é valioso, o que faz da vida oportunidade em plenitude!

Quando viramos o ano, costumeiramente externamos muitos votos de alegria, sucesso, vida e saúde àqueles a quem amamos, mas talvez nunca tenhamos feito isso com tanta ênfase e emoção, como agora, no limiar de 2021.

Muita gente continua ainda contagiada por um sentimento estranho, inédito, desconfiado: “Meu Deus, até quando?” O Conselho Executivo da CEPA externa aqui a esperança de que todos os leitores vivam uma experiência maravilhosa, positiva e muito produtiva em 2021!

Compreende-se perfeitamente a tristeza, o incômodo, a dificuldade de viver uma virada de ano em condições tão diferentes. Sempre festejamos a chegada de um ano novo, comemoramos as conquistas e desejamos seguir firmes, livres e exitosos no novo período, mas desta vez tudo foi muito anormal. Parecia que nosso desejo seria dizer: “ Ok, 2020, que bom tê-lo superado; por favor, fique para traz, apaguemo-lo de nossa memória. Será muito bom desbravar 2021; que venham novas edificações, descobertas, mudança de rumos!

De fato, 2020 não foi um ano bom para ninguém, nem mesmo para quem sobreviveu à enfermidade, tampouco para quem conseguiu transformar a pandemia em oportunidade para faturar; não, não vivemos em torno dos nossos interesses exclusivos. Por mais que o egoísmo ainda seja uma característica marcante da humanidade terrena, fomos todos impactados por milhões de mortes em um único ano, muitas pessoas sequeladas, muitas arruinadas financeiramente. Somos ao mesmo tempo agentes e pacientes das ações humanas, de modo que um acontecimento de proporção mundial como este impacta realmente a todos. Em menor, ou maior grau, todos fomos atingidos severamente. O isolamento social que nos impusemos foi um efeito de abrangência geral.

Não obstante, descortinou-se para o mundo uma infinidade de oportunidades. As pessoas aprenderam o significado do distanciamento obrigatório, tiveram de se reinventar na solidão, descobriram novas formas de produzir e de auferir renda, adaptaram-se às tecnologias, permaneceram mais em casa, abdicaram dos veículos automotores, leram mais, viram mais filmes, produziram mais. Certamente, vai passar, pois tudo passa na vida, e não terá deixado apenas rastros de dor.

Talvez no futuro possamos revisitar este tempo e concluir que foi apenas uma experiência, nem só dores, nem só realizações. Um período marcante, vivido intensamente por alguns, sofrido demais por outros, marcado por tragédias, estultices, corrupção e mortes. Lado outro, houve avanços também. Inexoravelmente nos lembraremos de que muitas construções positivas foram computadas neste período de pandemia, sendo certo que a solidariedade ganhou destaque absoluto.

A filosofia espírita nos ensina que cada instante é uma oportunidade ímpar e que a vida é uma dádiva para o espírito em crescimento, sendo esse o motivo de estarmos agradecidos por termos passado por mais uma virada de ano, como se o universo estivesse nos concedendo a oportunidade de realizar um pouco mais, sermos mais úteis, crescermos, enfim.

Digamos muito obrigada a 2020 por tudo que nos permitiu ver e aprender; por termos resistido, por termos crescido. Que iniciemos 2021 com a esperança de sermos um pouco melhores!

Ademar Arthur Chioro dos Reis

Assessor Especial da Presidência da CEPA

A pandemia de Covid-19 provocou mudanças substantivas nos modos de viver em todos os cantos do planeta. Provocada pelo SARS-coV-2, um novo coronavírus altamente transmissível, ainda não possui tratamento antigripal específico e vacinas, a despeito dos enormes esforços empreendidos e a velocidade estonteante com que a comunidade científica vem produzindo conhecimentos.

Nessa emergência sanitária de escala global são as medidas de controle “não-medicamentosas” que têm demonstrado impactos mais significativos sobre a Covid-19: uso de máscaras, higiene pessoal e coletiva, e isolamento social, lockdown ou quarentena, como têm sido denominadas as estratégias que buscam interromper a circulação do vírus por meio da diminuição do contato entre as pessoas que não estão diretamente envolvidas em atividades consideradas essenciais.

Tais medidas são apontadas pelas autoridades sanitárias, médicos e cientistas como as únicas efetivas para o enfrentamento dessa enfermidade que, até 15 de agosto, já tinha registrado 21.387.785 casos e 764.110 óbitos em todo o mundo.

O isolamento social tem sido cumprido rigorosamente nos países que obtiveram melhores resultados no controle epidêmico, mas de forma precária naqueles marcados pela desigualdade social, onde partes significativas da população vivem em moradias extremamente precárias e não conseguem cumprir as medidas indicadas por falta de condições econômicas, que os obriga a se exporem em busca de garantir a sobrevivência. O mesmo vem acontecendo em países onde os dirigentes políticos assumem uma postura negacionista, anticientífica, descomprometida com a defesa da vida e a proteção das populações mais vulneráveis.

            Fato é que a pandemia atingiu, de diferentes maneiras, os mais diversos campos: alterou as rotinas de trabalho, as formas de relacionamento, os meios de comunicação. Mudou profundamente nossas rotinas, gerando o que se vem chamando de o “novo normal”. Também atingiu em cheio a CEPA.

O XXIII Congresso Espírita da CEPA, programado para outubro de 2020, na Espanha, teve que ser adiado para 2021. As atividades presenciais das nossas instituições desde o início da pandemia foram suspensas.

Como será a vida no mundo pós-pandemia é ainda uma incógnita; temos muitas perguntas e, por enquanto, poucas respostas. Uma delas é que as atividades espíritas e de suas organizações, como hoje entendidas, serão profundamente reconfiguradas no “novo normal”.

Ferramentas digitais utilizadas durante o período de isolamento social serão definitivamente incorporadas como estratégias de estudo e divulgação do espiritismo e poderão ser expandidas, tomando conta de todos os domínios, sem fronteiras e limites que foram, historicamente, impostos ao pensamento espírita crítico advogado pela CEPA, colocando-se como dispositivos a serviço da disseminação do pensamento espírita progressista, laico e livre-pensador.

Instituições vinculadas à CEPA, como o CIMA (Venezuela), a Sociedad Espiritismo Verdadero (Argentina), o Centro Espírita Allan Kardec de Santos-SP e o CPDoc (no Brasil), a Escuela Espírita Allan Kardec (Porto Rico), apenas para dar alguns exemplos, rapidamente passaram a oferecer conferências, cursos e reuniões de estudos virtuais, proporcionando não apenas a oportunidade de manter atividades para suas comunidades, como também a de alargar a participação de espíritas de todo o mundo, internacionalizando suas ações e permitindo um compartilhamento de experiências inéditas e que podem ser profundamente transformadoras.

A exemplo do que ocorreu nas mais diversas esferas de participação, nunca antes tantos espíritas vinculados à CEPA foram convidados a participar de lives, debates e a fazer conferências virtuais como nesse período, resultando num intercâmbio saudável e produtivo com espíritas de todas as partes do mundo. Sem contar o uso intenso de mídias sociais como os grupos de WhatsApp, o Facebook, Youtube, Instagram, etc., em que pese a enxurrada de informações e as fakenews. Isso tem sido enriquecedor, afinal é na diversidade de ideias e na possibilidade do exercício de um pensamento crítico que se pode produzir avanços e dinamizar o espiritismo.

É hora de valorizar e explorar essas múltiplas possibilidades, mas também de compreender que não substituirão as atividades presenciais, que acolhem e permitem encontros, trocas de afetos e energias e que produzem e reforçam o sentimento de pertença, fundamentais para a produção de vínculos e socialização. São elementos de ordem imaterial, subjetivos, que os meios eletrônicos, ainda que apresentem outras vantagens, jamais poderão substituir.

Por fim, terminamos essa mensagem, que chega a você por um dos meios eletrônicos aqui discutidos, para manifestar a solidariedade da CEPA a todas as famílias que perderam seus entes queridos nessa pandemia, assim como o nosso reconhecimento aos trabalhadores da saúde em todo o mundo, que não têm poupado esforços para cuidar dos enfermos e controlar a pandemia, colocando em risco suas próprias vidas.

Jacira Jacinto da Silva

Advogada, Presidente da CEPA – Associação Espírita Internacional

Ser criança, é ter liberdade para viver a infância com qualidade. Ser criança, é ter direito à moradia adequada, à alimentação saudável e a uma boa educação. Ser criança, é poder ser amado, protegido e feliz. Simples assim.

Isa Colli.

Foi em 20 de novembro de 1989 que a Assembleia Geral das Nações Unidas – ONU adotou a

Poder-se-ia questionar o motivo de tantas e novas leis; afinal, já existe a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cada país tem a sua Constituição Federal, ou o seu Estatuto legislativo maior, contemplando os direitos vigentes para aquele povo, naquele tempo. Mas esses comandos legais gerais, em regra, não atingem seus objetivos e a população termina por contorná-los, de forma que apesar de serem importantes e aplicáveis, são ignorados. Claro que cada país tem as suas peculiaridades e, inclusive, há níveis muito diferentes de tolerância à desobediência.

Disso resultam legislações específicas, tratando de um único tema, como a proteção da criança, o crime de racismo, a proteção ambiental, os direitos do idoso, a proteção de dados pessoais etc. Em síntese, essas legislações especiais não seriam necessárias se as pessoas atentassem à obrigação de cumprir os comandos gerais.

Fato é que 196 países ratificaram a Convenção dos Direitos da Criança, adotada pela ONU há 31 anos.

Conquanto saibamos das limitações existentes na legislação humana, seus defeitos, seus vieses, suas motivações – muitas vezes particulares e indignas, ainda podemos dizer que sem ela estaríamos em condições piores. É a legislação humana que garante, minimamente, a convivência social.

A renovação das leis também faz sentido se pensarmos que, na resposta à questão 763 de

No mesmo sentido, a resposta à questão 616: “

E mais não precisaria para nos convencermos de que as leis humanas são transitórias, divergentes, impotentes para solucionar os conflitos humanos, embora apropriadas à cultura de cada povo.

Vale destacar ainda o enunciado contido na Q. 521:

[os grifos são meus] (P

A tendência mundial de proteger as crianças e os adolescentes, garantindo-lhes formação digna, educação, moradia, estudo, saúde, cultura, lazer e todos os cuidados necessários à sua boa formação, estão perfeitamente conformes com a lição espírita encontrada no capítulo de

A infância ainda tem outra utilidade. Os Espíritos só entram na vida corporal para se aperfeiçoarem, para se melhorarem. A delicadeza da idade infantil os torna brandos, acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devam fazê-los progredir. Nessa fase é que se lhes pode reformar os caracteres e reprimir os maus pendores. Tal o dever que Deus impôs aos pais, missão sagrada de que terão de dar contas. Assim, portanto, a infância é não só útil, necessária, indispensável, mas também consequência natural das leis que Deus estabeleceu e que regem o Universo.” 1

Não obstante, há quem considere o Estatuto dos direitos da criança e do adolescente um equívoco, atribuindo-lhe excessiva proteção e muitos direitos sem o correspondente rol de obrigações.

No Brasil, para os leitores terem noção da importância de regulamentar direitos às chamadas minorias (essa denominação destina-se apenas a classificar as pessoas excluídas da atenção e dos direitos naturalmente consagrados aos demais), em 1990 tínhamos aproximadamente 20% das crianças e adolescentes fora da escola - em 2017 esse percentual se reduziu a 4,7%; em 1990, 13,4% deles se achavam em estado de desnutrição crônica - em 2017 contaram-se 6,7%; as mortes por mil nascidos vivos caíram de 53,7 para 15,6 nesse período e a taxa média de analfabetismo entre crianças/jovens de 10 a 18 anos de idade diminuiu de 12,5% em 1990 para 1,4% em 2013.

Documento do UNICEF indica que, a partir da entrada em vigor do Estatuto, decisões judiciais passaram a assegurar a doação de próteses e órteses por parte do Estado, garantiram a contratação de professores de libras e auxiliares para acompanhar crianças autistas e com deficiência em escolas públicas e ampliaram as vagas em creches

Países em desenvolvimento carecem, ainda, da garantia a direitos básicos e elementares. Lamentavelmente a corrupção e o atraso dos governantes impedem ainda mais o acesso aos bens públicos. No Brasil, apesar das ações ajuizadas para processar administradores públicos, como o Prefeito da cidade de São Paulo, por exemplo, em julho de 2020 a fila de espera por vagas em creches dessa metrópole tinha 22,3 mil crianças, conforme dados da Secretaria Municipal de Ensino.

Aos espíritas, afinados à CEPA ou não, compete o dever de defender os direitos das crianças e dos adolescentes a uma formação digna. A lição espírita nos conduz à tarefa de contribuir para a melhoria das condições de vida para todos e em especial para crianças e adolescentes, por se tratar de pessoas em especial e peculiar condição de desenvolvimento.

Analisando o valor de uma existência na terra, bem assim a grande potencialidade para o aprendizado, não se pode desprezar nenhuma chance de se inculcar valores éticos em crianças e adolescentes, pois se encontram abertos, receptivos, disponíveis para esse exercício.

Estamos sempre às voltas com as grandes dificuldades nas relações humanas, os problemas governamentais, a desigualdade social, a ausência de proteção ambiental e tantas outras questões que impactam diretamente a vida de todos.

Esta Palavra da CEPA destina-se a convidar os leitores para refletirem sobre a responsabilidade de conduzir uma vida humana desde as suas primeiras manifestações; não descurar do dever de educar e educar-se, pois o convívio com um espírito que chega ao lar é sempre uma grande oportunidade de crescimento coletivo. Ademais, não poderia haver forma mais adequada e esperançosa para sanar as mazelas do mundo do que forjar novas cabeças, comprometidas, responsáveis e cientes do dever de todos, como indicado na questão 132 de

Há gente procurando oportunidade para dar a sua contribuição. Não poderia haver trabalho mais significativo e produtivo do que realizar ações, como já fazem diversos grupos espíritas – e não espíritas também, na área da educação. Aderir a movimentos sociais que lutam pela dignidade da educação pública, livre, laica e gratuita, abrirá um campo de trabalho inesgotável e de extrema valia.

O mundo carece por demais desse trabalho qualificado, que exige dedicação, esforço e persistência em busca da melhor educação. Especialmente espíritas, sabedores do valor de uma boa formação para a individualidade do espírito, têm motivos de sobra para trabalhar nesta causa.

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1 O Livro dos Espíritos, Q. 385, parte final.

2 QUEIROZ, Cristina e CHAVES, Léo Ramos. Revista FAPESP, n. 296, p. 37

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