Milton Medran Moreira

Assessor de Relações Internacionais da CEPA

Lá pelos anos 90 do século passado, visitei uma praia chamada Vanice, na Califórnia. Havia ali uma série de barraquinhas abrigando ativistas, crentes e propagandistas das mais diferentes causas. Via-se um pouco de tudo: gente fazendo campanhas ecológicas, religiosos pregando a Bíblia, ciganas lendo as linhas das mãos e videntes prevendo o futuro de tanta gente curiosa.

Em meio a tudo isso, que alguns poderiam chamar de um verdadeiro “choque de egrégoras”, foi que também lembro ter visto, pela primeira vez, um movimento organizado de ateus com cartazes reivindicando respeito às suas ideias e distribuindo panfletos a quem passasse.

Os ateus, num país e num continente onde o fundamentalismo cristão tem, ainda hoje, um peso significativo, inclusive com fortes influências na política e em importantes decisões judiciais dos tribunais superiores acerca de costumes, começavam, ali, a deixar de esconder suas verdadeiras ideias. Protestavam contra as impregnações teístas da sociedade organizada e reivindicavam, mais do que um Estado laico, um Estado ateu.

Desde então, tem crescido muito, em todo o mundo ocidental, o que poderia se chamar da onda ateísta. Na verdade, tem se tornado moda dizer-se ateu. Artistas, escritores, cronistas, intelectuais, especialmente depois de alguns best-sellers sobre ateísmo, encorajam-se a proclamar sua não crença em uma divindade. Mas, invariavelmente, quando se referem a Deus, o fazem a partir dos conceitos de divindade criados pelas religiões. O deus pessoal judaico-cristão, o deus criador de todas as coisas, que fez tudo do nada, é aquele geralmente negado pelos ateístas. Muitos deles guardam, inclusive, convicções, ou, pelo menos, alguma simpatia à tese da sobrevivência do espírito após a morte. Mas não conseguem conpatibilizar o deus das religiões monoteístas com um esquema de vida minimamente racional e que obedeça a leis inteligentes, capazes de extrapolar a matéria grosseira em que estamos envolvidos.

O espiritismo propõe um conceito de Deus que vai muito além daquele criado pelas religiões. Ao afirmar que “Deus é a inteligência suprema e a causa primeira de todas as coisas”, o espiritismo desantropomorfiza-o e o apresenta como a grande Consciência Universal.

Esse conceito é compatível com as tendências da ciência moderna. Amit Goswami, um dos mais proeminentes físicos da atualidade, no seu livro “O Universo Autoconsciene”, sustenta que o Universo seria matematicamente inconsistente sem a presença de uma inteligência superior. Ele prognostica que, neste século, Deus deixará de ser um tema das religiões para tornar-se uma questão das ciências.

Não faz sentido reduzir Deus a uma crença. Ele não é uma questão de fé, imposta pelo medo ou mesmo como busca de recompensa futura. Ele é algo (algo e não alguém), reclamado como indispensável para minimamente se entender acerca da fascinante ordem a sustentar o universo.

Mesmo sendo um dos princípios basilares do espiritismo, a existência de Deus, entretanto, não é sua questão central. A grande questão do espiritismo é o ESPÍRITO, definido na questão número 23 de O Livro dos Espíritos, como "princípio inteligente do universo”.

Com muita propriedade, e com o intuito de afastar definitivamente do espiritismo a condição de uma crença, centrada na divindade tal como a concebem as religiões monoteístas, Jaci Regis, que nos deixou naquele 13 de dezembro de 2010, desencarnou propondo que o espiritismo se tornasse a verdadeira “ciência da alma”, porque aí está o objeto essencial de sua proposta de conhecimento.

O dia que dispusermos de um sólido conjunto comprobatório da realidade do espírito, de sua sobrevivência após a morte e de sua essencialidade como o verdadeiro agente da consciência humana, estaremos abrindo caminho para a compreensão de consciências sobre-humanas e, daí, a uma Consciência Universal, acima da qual não se possa conceber qualquer outra inteligência.

MAIS UM CICLO SE INICIA

2020 seria um ano para se esquecer?

Sobre o tempo, temos plena convicção: Passa rápido! Tudo passa nesta vida, a energia, a beleza, a juventude; Passam as alegrias e os sucessos, mas também a escuridão. Cada momento é valioso, o que faz da vida oportunidade em plenitude!

Quando viramos o ano, costumeiramente externamos muitos votos de alegria, sucesso, vida e saúde àqueles a quem amamos, mas talvez nunca tenhamos feito isso com tanta ênfase e emoção, como agora, no limiar de 2021.

Muita gente continua ainda contagiada por um sentimento estranho, inédito, desconfiado: “Meu Deus, até quando?” O Conselho Executivo da CEPA externa aqui a esperança de que todos os leitores vivam uma experiência maravilhosa, positiva e muito produtiva em 2021!

Compreende-se perfeitamente a tristeza, o incômodo, a dificuldade de viver uma virada de ano em condições tão diferentes. Sempre festejamos a chegada de um ano novo, comemoramos as conquistas e desejamos seguir firmes, livres e exitosos no novo período, mas desta vez tudo foi muito anormal. Parecia que nosso desejo seria dizer: “ Ok, 2020, que bom tê-lo superado; por favor, fique para traz, apaguemo-lo de nossa memória. Será muito bom desbravar 2021; que venham novas edificações, descobertas, mudança de rumos!

De fato, 2020 não foi um ano bom para ninguém, nem mesmo para quem sobreviveu à enfermidade, tampouco para quem conseguiu transformar a pandemia em oportunidade para faturar; não, não vivemos em torno dos nossos interesses exclusivos. Por mais que o egoísmo ainda seja uma característica marcante da humanidade terrena, fomos todos impactados por milhões de mortes em um único ano, muitas pessoas sequeladas, muitas arruinadas financeiramente. Somos ao mesmo tempo agentes e pacientes das ações humanas, de modo que um acontecimento de proporção mundial como este impacta realmente a todos. Em menor, ou maior grau, todos fomos atingidos severamente. O isolamento social que nos impusemos foi um efeito de abrangência geral.

Não obstante, descortinou-se para o mundo uma infinidade de oportunidades. As pessoas aprenderam o significado do distanciamento obrigatório, tiveram de se reinventar na solidão, descobriram novas formas de produzir e de auferir renda, adaptaram-se às tecnologias, permaneceram mais em casa, abdicaram dos veículos automotores, leram mais, viram mais filmes, produziram mais. Certamente, vai passar, pois tudo passa na vida, e não terá deixado apenas rastros de dor.

Talvez no futuro possamos revisitar este tempo e concluir que foi apenas uma experiência, nem só dores, nem só realizações. Um período marcante, vivido intensamente por alguns, sofrido demais por outros, marcado por tragédias, estultices, corrupção e mortes. Lado outro, houve avanços também. Inexoravelmente nos lembraremos de que muitas construções positivas foram computadas neste período de pandemia, sendo certo que a solidariedade ganhou destaque absoluto.

A filosofia espírita nos ensina que cada instante é uma oportunidade ímpar e que a vida é uma dádiva para o espírito em crescimento, sendo esse o motivo de estarmos agradecidos por termos passado por mais uma virada de ano, como se o universo estivesse nos concedendo a oportunidade de realizar um pouco mais, sermos mais úteis, crescermos, enfim.

Digamos muito obrigada a 2020 por tudo que nos permitiu ver e aprender; por termos resistido, por termos crescido. Que iniciemos 2021 com a esperança de sermos um pouco melhores!

Ademar Arthur Chioro dos Reis

Assessor Especial da Presidência da CEPA

A pandemia de Covid-19 provocou mudanças substantivas nos modos de viver em todos os cantos do planeta. Provocada pelo SARS-coV-2, um novo coronavírus altamente transmissível, ainda não possui tratamento antigripal específico e vacinas, a despeito dos enormes esforços empreendidos e a velocidade estonteante com que a comunidade científica vem produzindo conhecimentos.

Nessa emergência sanitária de escala global são as medidas de controle “não-medicamentosas” que têm demonstrado impactos mais significativos sobre a Covid-19: uso de máscaras, higiene pessoal e coletiva, e isolamento social, lockdown ou quarentena, como têm sido denominadas as estratégias que buscam interromper a circulação do vírus por meio da diminuição do contato entre as pessoas que não estão diretamente envolvidas em atividades consideradas essenciais.

Tais medidas são apontadas pelas autoridades sanitárias, médicos e cientistas como as únicas efetivas para o enfrentamento dessa enfermidade que, até 15 de agosto, já tinha registrado 21.387.785 casos e 764.110 óbitos em todo o mundo.

O isolamento social tem sido cumprido rigorosamente nos países que obtiveram melhores resultados no controle epidêmico, mas de forma precária naqueles marcados pela desigualdade social, onde partes significativas da população vivem em moradias extremamente precárias e não conseguem cumprir as medidas indicadas por falta de condições econômicas, que os obriga a se exporem em busca de garantir a sobrevivência. O mesmo vem acontecendo em países onde os dirigentes políticos assumem uma postura negacionista, anticientífica, descomprometida com a defesa da vida e a proteção das populações mais vulneráveis.

            Fato é que a pandemia atingiu, de diferentes maneiras, os mais diversos campos: alterou as rotinas de trabalho, as formas de relacionamento, os meios de comunicação. Mudou profundamente nossas rotinas, gerando o que se vem chamando de o “novo normal”. Também atingiu em cheio a CEPA.

O XXIII Congresso Espírita da CEPA, programado para outubro de 2020, na Espanha, teve que ser adiado para 2021. As atividades presenciais das nossas instituições desde o início da pandemia foram suspensas.

Como será a vida no mundo pós-pandemia é ainda uma incógnita; temos muitas perguntas e, por enquanto, poucas respostas. Uma delas é que as atividades espíritas e de suas organizações, como hoje entendidas, serão profundamente reconfiguradas no “novo normal”.

Ferramentas digitais utilizadas durante o período de isolamento social serão definitivamente incorporadas como estratégias de estudo e divulgação do espiritismo e poderão ser expandidas, tomando conta de todos os domínios, sem fronteiras e limites que foram, historicamente, impostos ao pensamento espírita crítico advogado pela CEPA, colocando-se como dispositivos a serviço da disseminação do pensamento espírita progressista, laico e livre-pensador.

Instituições vinculadas à CEPA, como o CIMA (Venezuela), a Sociedad Espiritismo Verdadero (Argentina), o Centro Espírita Allan Kardec de Santos-SP e o CPDoc (no Brasil), a Escuela Espírita Allan Kardec (Porto Rico), apenas para dar alguns exemplos, rapidamente passaram a oferecer conferências, cursos e reuniões de estudos virtuais, proporcionando não apenas a oportunidade de manter atividades para suas comunidades, como também a de alargar a participação de espíritas de todo o mundo, internacionalizando suas ações e permitindo um compartilhamento de experiências inéditas e que podem ser profundamente transformadoras.

A exemplo do que ocorreu nas mais diversas esferas de participação, nunca antes tantos espíritas vinculados à CEPA foram convidados a participar de lives, debates e a fazer conferências virtuais como nesse período, resultando num intercâmbio saudável e produtivo com espíritas de todas as partes do mundo. Sem contar o uso intenso de mídias sociais como os grupos de WhatsApp, o Facebook, Youtube, Instagram, etc., em que pese a enxurrada de informações e as fakenews. Isso tem sido enriquecedor, afinal é na diversidade de ideias e na possibilidade do exercício de um pensamento crítico que se pode produzir avanços e dinamizar o espiritismo.

É hora de valorizar e explorar essas múltiplas possibilidades, mas também de compreender que não substituirão as atividades presenciais, que acolhem e permitem encontros, trocas de afetos e energias e que produzem e reforçam o sentimento de pertença, fundamentais para a produção de vínculos e socialização. São elementos de ordem imaterial, subjetivos, que os meios eletrônicos, ainda que apresentem outras vantagens, jamais poderão substituir.

Por fim, terminamos essa mensagem, que chega a você por um dos meios eletrônicos aqui discutidos, para manifestar a solidariedade da CEPA a todas as famílias que perderam seus entes queridos nessa pandemia, assim como o nosso reconhecimento aos trabalhadores da saúde em todo o mundo, que não têm poupado esforços para cuidar dos enfermos e controlar a pandemia, colocando em risco suas próprias vidas.

DANTE LÓPEZ
Ex-presidente da CEPA (2008/2016)

Este texto devia servir para ressaltar a importância do próximo Congresso da CEPA, cujo lema central será: “O Espiritismo ante os Desafios Humanos”. Não previa que fosse nesse contexto, onde a pandemia do coronavírus submete os habitantes humanos do planeta a uma crise no sistema de saúde e na economia.

É inevitável, então, fazer algumas reflexões acerca do momento em que a Humanidade inteira deve enfrentar um inimigo comum.

Não é uma invasão extraterrestre, como alguma vez imaginou algum escritor de ficção científica, mas um pequeno ser vivo invisível o que nos desafia e que está instalado como uma ameaça na vida de cada um de nós.

Não é a primeira vez que a Humanidade se vê frente a uma pandemia. Os historiadores podem citar algum desses flagelos açoitando vidas humanas nos últimos vinte séculos, em geral espantosos e cruentos, deixando sua marca de medo no inconsciente coletivo.

São várias as diferenças com a situação atual, o contexto é diferente.

O mais negativo foi o inesperado. A velocidade de propagação do vírus tomou de surpresa os sistemas de saúde, utilizando como veículo as pessoas que, aos milhões, mobilizam-se pelo mundo em atividades de negócio ou turismo. Basta observar nas imagens os voos que ocorriam simultaneamente num dia qualquer de novembro de 2018.

Em contrapartida, o positivo está no imenso conhecimento científico e na capacidade tecnológica com que contamos hoje para enfrentar essa calamidade, o que nos permite, uma vez recuperados da surpresa, agir rapidamente e tomar as precauções necessárias para evitar uma tragédia maior.

Algumas medidas observadas, sobretudo nos últimos cinquenta anos, nos oferecem a possibilidade de transformar esse problema em uma situação de aprendizagem coletiva planetária.

Há tempos vimos tomando consciência de algumas questões que hoje se põem na primeira linha de qualquer agenda: a necessidade de revisar as políticas de cuidado dos recursos naturais, repensar como dividimos nosso tempo entre trabalho, afetos, expansão e espiritualidade, pensar e agir para desenvolver a solidariedade entre os seres humanos, fomentar a introspecção e o autoconhecimento, utilizar ferramentas para aquietar a mente e preservá-la do bombardeio de informação, e, em especial, valorizar mais os caminhos da espiritualidade.

A incerteza e a possibilidade real de que se percam vidas e bens pode propiciar mudanças de conduta, e é possível que muitos voltem a pôr os valores morais como prioridades. Só essa ação já será uma transformação positiva.

São momentos para olhar-se para dentro de si. De perguntar-se: “Que papel me cabe cumprir?”. Para cada um a resposta será diferente, entretanto para todos será importante reencontrar o equilíbrio que restitua o nível da balança ao lugar que lhe cabe.

Como Humanidade também necessitamos um novo equilíbrio mundial, que se ocupe de buscar um lugar aos que sofrem, aos que não têm oportunidades, aos explorados, aos excluídos, aos expatriados.

A ciência, a sociologia, a economia devem agudizar sua capacidade de observação e de ação. Os líderes mundiais terão que buscar uma nova ordem, mais direcionada a velar pelas necessidades mais do que para as conquistas.

Há dois anos, escutava um alto funcionário do governo de Israel dizer que, pela primeira vez na história, há disponibilidade de recursos econômicos, sociológicos e científicos para expulsar do planeta a fome e a falta de habitação.

Não espero que essa pandemia vá mudar o mundo radicalmente, mas pode ajudar a repensar a atualidade do mundo. Seguramente, haverá revisões de políticas de estado visualizando prioridades sociais. Embora seja cedo para saber, todos podemos impulsioná-las.

Que seremos capazes de fazer como Humanidade ainda é uma incógnita.

Individualmente e coletivamente, às vezes caímos na tentação de dedicar muito tempo a especular acerca do que esta ou outras crises virão a operar, e, no exercício da imaginação, nos esquecemos de vivê-la em toda sua dimensão.

Temos ainda que trilhar um caminho muito importante. Não sabemos quanto tempo durará, não sabemos quantos adoecerão, nem quantos se curarão, que roteiros tomarão os líderes dos países e que impacto terá na economia. Não deveríamos apressar conclusões.

Para que essa grande dificuldade se transforme num aprendizado individual e coletivo é necessário aceitá-la como parte da evolução natural do planeta que habitamos, tratando de levar essa segurança e serenidade àqueles que dela necessitam.

Para cumprir nosso papel, é necessário trabalhar na temperança, erradicando o medo e o otimismo místico; os dois extremos paralisam ou levam a cometer erros graves.

Se conseguirmos nos manter serenos, poderemos colaborar solidariamente para ajudar os mais fracos de ânimo e agir onde necessário.

É muito importante estarmos atentos aos acontecimentos, observar o entorno imediato em que podemos fazer algo, sem perder de vista o contexto geral, tratar de apreender o necessário para superar a inédita situação que se nos apresenta.

Entretanto para essa apreensão é necessário ainda atravessar a crise, pôr à prova nossa capacidade de resistência frente à adversidade, aceitar o que não gostaríamos de enfrentar e ver como funciona nossa resiliência, essa capacidade de sair fortalecidos das tensões.

Como já é de público conhecimento, o próximo Congresso da CEPA, que se realizaria em Salou, foi suspenso até que possamos contar com as condições adequadas.

Quando nos encontrarmos para o próximo Congresso da CEPA, o tema central – O Espiritismo Ante os Desafios Humanos – terá mais significação que nunca, e, então, poderemos analisar o novo cenário e tirar melhores conclusões. Porque teremos transposto, pela Lição da Experiência, o que a Pandemia do mundo globalizado nos haja legado.

Milton Medran Moreira

Uma homenagem a Deolindo Amorim

 

Foram muito felizes os dirigentes da CEPA e a Comissão Organizadora do XXIII Congresso da CEPA (Salou/Tarragona/Espanha/outubro 2020) em eleger como temática central daquele evento “O Espiritismo ante os Problemas Humanos”, inspirando-se em obra imortal do pensador espírita brasileiro Deolindo Amorim (1906/1984), jurista, jornalista e escritor que, entre outros importantes livros de genuínas características humanistas e cultivadoras do livre-pensamento kardecista, nos legou “O Espiritismo e os Problemas Humanos”.

A obra de Amorim, como, igualmente, pretende ser o Congresso 2020, da CEPA, é a viva demonstração de que o espiritismo transcende em muito à singela condição de uma crença, para se constituir em vigorosa proposta de transformação do mundo, a partir de um novo paradigma de conhecimento em cuja base está o espírito imortal, vocacionado à felicidade e ao progresso. Ao pretender encarar os “problemas humanos”, a partir dos valores intrínsecos à sua filosofia, o espiritismo deixa clara sua inabalável crença no homem e em sua capacidade transformadora.

Na obra inspiradora da temática central do Congresso da CEPA/2020, Deolindo Amorim enfatiza admiravelmente as raízes humanistas da proposta espírita, historicamente vinculado que se acha o espiritismo ao legado iluminista do século anterior ao seu nascimento. Mas adverte que o humanismo espírita transcende a aspectos de mera ordem social e econômica para contemplar o ser humano, primeira e precipuamente, como “ser moral”: “Interessar-se pelo homem – escreve – é procurar compreendê-lo profundamente em suas virtualidades e ajudá-lo a reformar-se para saber ocupar o seu lugar perante o mundo e as leis divinas, não é reduzir as dimensões do problema, situando-o apenas nas necessidades do estômago”. Portanto, diz: “O que se nota na Doutrina Espírita é uma preocupação insistente com o homem, não somente quanto ao bem-estar, que é uma condição normal de decência em qualquer sociedade bem organizada, mas também no que diz respeito aos valores intrínsecos de sua personalidade”.

Dessa forma, para Amorim, “a solução espírita é muito mais humanista do que as soluções de interesse simplesmente político, pois não basta oferecer o necessário à subsistência, que é dever elementar, nem promover ascensões violentas, porque é preciso educar, preparar o homem, melhorar também o sistema que o envolve e remover hábitos, ideias e processos defeituosos”.

O humanismo apregoado pelo espiritismo, e claramente assimilado, comentado e recomendado por Deolindo Amorim, oferece a chave para o efetivo enfrentamento dos “problemas humanos” de nosso tempo, até porque se funda em valores atemporais, mas que nos capacitam a fazer a leitura correta das especificidades de cada tempo e lugar.

A homenagem que se presta ao fecundo pensador espírita brasileiro, neste primeiro Congresso da CEPA em terras europeias, inaugurando o perfil intercontinental da entidade, é, ademais, oportuna recordação do efetivo vínculo de Deolindo Amorim com a antiga Confederação Espírita Pan-Americana, nos primórdios da existência da CEPA, e a plena adesão dele ao projeto kardecista e integrador que inspirou a fundação da instituição, antes pan-americana e, agora, internacional. Com efeito, o II Congresso Espírita Pan-Americano, em 1949, três anos após sua fundação, teve por sede o Rio de Janeiro, promovido pela Liga Espírita do Brasil, da qual Amorim era dirigente. Exercendo a Secretaria Geral do evento, Deolindo Amorim foi seu verdadeiro cérebro, marcando indelevelmente a história da CEPA no Brasil, com a eleição, ali, de Pedro Delfino Ferreira, para a presidência da entidade.

É sabido que, justamente naquela época, e como contraponto aos esforços da CEPA em divulgar uma visão laica e livre-pensadora do espiritismo, intensificou-se, no Brasil, a propagação da versão religiosa e evangélica do espiritismo. Precisamente, por ocasião do Congresso da CEPA, no Rio, a Federação Espírita Brasileira promulgou o documento denominado “Pacto Áureo”, de clara inspiração roustainguista e com o propósito de “unificar” a “religião espírita”, afastando a influência, o convívio e coparticipação, no movimento, de pensadores de formação genuinamente kardecista. Tal política hegemônica, de conotação religiosa, é responsável por fazer de Deolindo Amorim uma personalidade pouco recordada, no movimento evangélico-espírita do Brasil. Coube e cabe à CEPA o dever de repor sua insigne figura no rol dos mais importantes pensadores da história do genuíno espiritismo, kardecista, progressista e livre-pensador.

O XXIII Congresso da CEPA, em boa hora, faz esse importante resgate histórico.

Ademar Arthur Chioro dos Reis

Assessor Especial da Presidência da CEPA

De 9 a 12 de outubro de 2020, em Salou, província de Tarragona (Espanha), distante cerca de 110 Km de Barcelona, será realizado o XXIII Congresso da CEPA – Associação Espírita Internacional, tendo como tema central: “O espiritismo e os problemas humanos”.

Trata-se do primeiro Congresso da CEPA realizado em outro continente, já que todos os anteriores, desde a criação da CEPA, em 1946, foram realizados nas Américas. Consolidam-se, assim, as importantes mudanças estatutárias aprovadas no XXII Congresso, realizado em Rosario (Argentina), em 2016, quando a Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA) passou a constituir-se como uma organização mais ampla e horizontalizada, de caráter intercontinental, integrada por pessoas e instituições de todo o mundo.

Vale lembrar que a “marca” CEPA foi mantida, passando nossa instituição a se denominar CEPA – Associação Espírita Internacional, sendo, portanto, a sucessora da Confederação Espírita Pan-Americana.

O XXIII Congresso da CEPA está sendo organizado por um sólido e qualificado grupo de espíritas vinculados à CEPA na Espanha, pertencentes a instituições de distintas regiões espanholas, que compõe a Comissão Organizadora, presidida por David Santamaria Planas, do Centro Barcelonês de Cultura Espírita. O planejamento do evento conta, ainda, com o apoio dos membros do Conselho Executivo da CEPA, que têm se dedicado com prioridade à sua organização.

O Congresso é um marco na consecução dos objetivos da CEPA, pois permite promover e difundir o conhecimento do espiritismo, a partir do pensamento de Allan Kardec, seu fundador, sob uma visão laica, livre-pensadora, humanista, progressista e pluralista. Permite, ainda, promover, estimular e acompanhar esforços voltados à atualização permanente do espiritismo, tarefa que a CEPA considera fundamental e inadiável. Trata-se, também de uma grande oportunidade de promover a integração entre espíritas e instituições espíritas de todos os continentes que se afinizam com os objetivos da CEPA ou que desejam conhecê-la, já que se trata de um evento aberto àqueles que desejarem conhecer a CEPA e suas ideias.

Na programação, que em breve será anunciada em detalhe, consta a realização de conferências, mesas redondas, painéis, apresentação de trabalhos no Fórum de Temas Livres, lançamento de livros e autógrafos, além de diversas atividades culturais e confraternizativas. Será realizada, ainda, a Assembleia Geral da CEPA para eleição do Conselho Executivo da entidade para o quadriênio 2020-2024.

O evento contará com a participação de renomados estudiosos, pesquisadores e divulgadores do espiritismo kardecista, laico, progressista e livre-pensador. Delegações de diversos países já estão sendo organizadas, tendo expectativa de presença de espíritas da Argentina, Brasil, Uruguai, Colômbia, Venezuela, Guatemala, Cuba, Porto Rico, México, EUA, Espanha, França, Portugal, entre outros países.

Vivemos uma conjuntura global marcada por incertezas. O desenvolvimento científico, tecnológico e informacional, a globalização da economia e dos mercados, e tantas outras mudanças produzidas no mundo até essas duas primeiras décadas do século 21 não foram capazes de resolver problemas históricos da humanidade, como a fome, a miséria, a brutal desigualdade social, a intolerância religiosa e étnica, a exploração do trabalho humano e dos recursos naturais, a violência sexual, de gênero, entre outros. Aportaram, contudo, novos problemas e desafios.

Neste contexto é fundamental que possamos analisar os problemas humanos em profundidade, observando aportes teóricos, conceituais e vivenciais de distintos campos do conhecimento humano, mas oferecendo a contribuição oriunda da filosofia espírita. Uma concepção do homem e do mundo centrada na perspectiva da existência do espírito, da imortalidade, da reencarnação como dispositivo para evolução intelectual e moral – dos indivíduos e das coletividades – pode contribuir com elementos substantivos para o processo civilizatório da humanidade, numa perspectiva planetária.

Para a CEPA, enfrentar os problemas humanos, superá-los e construir uma sociedade mais justa, solidária e fraterna, que viva em paz e seja capaz de garantir a vida e a dignidade como um direito de todos, independente da classe social ou em que país se viva, é um dever de todos aqueles que habitam esse planeta. Não se trata de tarefa a ser atribuída à “espiritualidade” ou que se pretenda resolver por meio de uma pretensa “reforma íntima”, realizada de forma solitária e alienadora.

Somos, como bem disse J. Herculano Pires, coconstrutores do universo. Esta é nossa tarefa inadiável. É no (e pelo) mundo que poderemos trilhar nosso caminho evolutivo.

Pois bem, é sobre essa perspectiva, e com disposição de tomar os problemas humanos como objeto de estudo e ao mesmo tempo de intervenção, que escolhemos como tema central para o XXIII Congresso da CEPA “O espiritismo e os problemas humanos”.

A CEPA espera a todos de braços abertos na Espanha, em nosso XXIII Congresso. Falta menos de um ano para sua realização e mais informações poderão ser obtidas no site da CEPA: www.cepainternacional.org .

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